ABSOLUTISMO MONÁRQUICO
Nicolau Maquiavel, nascido em Florença em 1469, foi o mais avançado e influente entre os escritores da Renascença.
Escreveu Maquiavel a obra “Discursos sobre Tito Lívio”, em que glorifica a república romana e, baseado nos exemplos tirados da sua história, deduz os meios pelos quais podem as repúblicas expandir-se e perdurar.
Porém, sua obra principal, denominada “O PRÍNCIPE”, somente foi publicada em 1531, quatro anos depois da sua morte. Ao que tudo indica, Maquiavel teria destinado à sua obra a todos os componentes da Casa dos Medicis, detentora do Domínio Senhorial de Florença, prestigiada pelo Papado e uma das mais poderosas oligarquias da Itália. Através da Casa dos Medicis esperava Maquiavel que fosse realizado o seu sonho de unificar os Estados italianos, formando uma nação poderosa capaz de restaurar as glórias do cesarismo.
Entretanto, essa ligação direta ou indireta com o Cardeal Giovani de Medicis, posteriormente elevado ao sumo pontificado romano, não envolve a Igreja na publicação da obra, pois a Casa dos Medicis era antes de tudo uma oligarquia política e guerreira, dominadora de Florença e uma das mais influentes entre as de todos os Estados italianos. Aliás, a Igreja romana, pelo pronunciamento do Arcebispo de Cantuária, desde logo considerou O Príncipe como obra escrita pela mão do diabo.
O escritor foi denunciado em 1557, como impuro e celerado, pelo Papa Paulo IV, e em seguida o Concilio de Trento o condenou post mortem, colocando o seu nome no índex. Nessa obra Maquiavel se desliga de todos os valores morais, tradições e princípios éticos, para pregar o oportunismo desenfreado e o cinismo como arte de governar. Analisando friamente as qualidades que devem orientar a ação do Príncipe, aconselha-o a mentir, a praticar toda sorte de crueldade, e ao mesmo tempo dissimular e fazer crer que a sua conduta é virtuosa[1].
E acrescenta:
“….o cuidado maior de um Príncipe deve ser o da manutenção do seu Estado; os meios que ele utilizar para esse fim serão sempre justificados e terão o louvor de todos, porque o vulgo se deixa impressionar pelas aparências e pelos efeitos — e o vulgo é quem faz o mundo.”
O Príncipe, diz Maquiavel, deve ser ao mesmo tempo amado e temido. Mas, como isso não é sempre possível, é melhor que se faça temido[2]:
“…isto porque, dos homens em geral, se pode dizer que são ingratos, volúveis, falsos, tementes do perigo e ambiciosos de ganho. Enquanto se lhes fazem benefícios são todos fidelíssimos: oferecem seu sangue, seu dinheiro, sua vida, seus filhos, contanto que a necessidade esteja longe, mas quando esta chega, então se revoltam. O Príncipe que confia nas palavras dos homens sem procurar se garantir por outro lado, está perdido; porque as amizades que se conseguem, não por grandeza d’alma, mas por dinheiro ou favores, são, embora merecidas, amizades falsas que não podem ser levadas em conta na hora da adversidade.
……… acima de tudo deve-se evitar despojar as pessoas dos seus bens, pois o homem esquece mais depressa a morte de seu pai do que a perda do seu dinheiro[3].
……..se é preciso ofender alguém, que a ofensa seja de tal forma que não possibilite vingança.
……. quando um Príncipe está à frente do seu exército, com uma multidão de soldados às suas ordens, então é absolutamente necessário que ele não dê a menor importância à pecha de cruel.
É bom que se saiba que existem dois modos de combater: pela lei ou pela força; o primeiro é próprio dos homens; o segundo, das feras; mas como sucede que o primeiro muitas vezes não basta, convém recorrer ao segundo.
Em suma: ao Príncipe tudo é permitido, até mesmo a infâmia, a hipocrisia, a crueldade, a mentira, contanto que atinja o seu escopo (finalidade). Todos os meios que forem por ele utilizados no exercício do poder são admissíveis e justificados. A natureza humana e as circunstâncias de cada momento indicam os meios e os instrumentos de que o Príncipe deve lançar mão[4].
Uma das finalidades que Maquiavel tinha em vista, era a de libertar o seu país do domínio externo, porque, diz ele, “ad ognuno puzza questo bárbaro domínio[5]”. Com o pensamento voltado para esse fim, sugeriu o florentino meios imorais, baixos, repugnantes, mas possivelmente adequados ao momento histórico. Sobretudo, condizentes com a natureza humana, pois o próprio escritor afirmou que os seus conselhos perderiam a razão de ser, se porventura todos os homens fossem bons.
O brilhante sociólogo e publicista cearense, Abelardo Montenegro, em sua monografia Maquiavel e o Estado, focalizando a obra de Maquiavel pelo ângulo acima referido, observa, com razão, que[6]:
“….ele não firmou princípios para todos os séculos e para todos os homens. A generalidade dos seus princípios subordinava-se à permanência daqueles fatores que o levaram a fazer tal inferência. Enquanto os homens forem maus, quem quiser conservar o Estado terá que agir conforme sua preconização. E os séculos posteriores deram razão ao escritor florentino[7]“.
Sem embargo de ter sido o teórico do absolutismo monárquico, Maquiavel é considerado o fundador da ciência política moderna, pois as suas obras contêm os princípios doutrinários sobre os quais o Estado moderno assentou as suas bases.
Para Maquiavel toda organização política tem que partir do fato de que todos os homens são fundamentalmente maus; e essa é a razão por que a sua doutrina escandaliza quando liberta o Príncipe dos laços morais, desde que esteja em jogo o interesse do Estado — acentua Abelardo Montenegro[8].
Com efeito, entre as filosofias de Hobbes e Rousseau, diametralmente opostas no tocante à natureza humana, o pensamento político moderno inclina-se indisfarçavelmente para a teoria do homo homini lúpus… que parece mais conforme com a realidade e com os pressupostos legais que orientam a estrutura jurídica do Estado moderno.
Repelem-se o Leviatã e O príncipe, pelo seu realismo chocante, no plano doutrinário, quando é certo que por eles se orientam os próprios Estados democráticos. É que nestes a prepotência se exerce em nome da liberdade. Talvez haja razão no que foi dito por Maquiavel: “o vulgo[9] só se impressiona com as aparências; e o vulgo é quem faz o mundo”.
Essa verdade, aliás, foi desprezada pelo escritor, em relação à sua obra. Se ela teve acolhida nos meios científicos, pelo seu conteúdo, a ponto de ser considerada como marco inicial do direito público moderno, o vulgo a condenou pelas aparências, pelos exageros da linguagem e pelo seu acentuado teor de cinismo. Se os mesmos princípios fossem enunciados com um certo eufemismo o autor não seria tão maquiavélico como parece[10].
No que tange à atuação do Príncipe ou governante para defender e conservar a vida do Estado, onde a linguagem do escritor florentino é mais revoltante, os princípios traçados correspondem com a realidade. Já diziam os romanos que “salus publica suprema lex est[11]”. E o Padre Antônio Vieira, em uma das fulgurações do seu gênio, pronunciou esta frase lapidar: “os reinos, não os pesa a Justiça na balança; mede-os na espada”.
Muitos escritores, finalmente, exaltam a doutrina de Maquiavel como “a mais bela e a mais plena afirmação da moralidade política”, como vemos em Cario Curcio (La modernità de Machiavelli).
Essa doutrina não foi somente o sustentáculo do absolutismo monárquico que surgiu no limiar do mundo moderno. Em pleno século XX refloriu nos Estados autoritários.
O próprio Mussolini, escrevendo Prelúdios a Maquiavel, em 1924, disse que no Estado fascista o maquiavelismo estava mais vivo do que na época do seu aparecimento.
Fontes indicadas nas notas de rodapé
[1] RESUMO TEORIA GERAL DO ESTADO – Docsity, https://www.docsity.com/pt/resumo-teoria-geral-do-estado/7264655/.
[2] AS ORIGENS DO ESTADO 1.1 Origem familiar 1.2 Origem contratual, https://www.academia.edu/26549136/AS_ORIGENS_DO_ESTADO_1_1_Origem_familiar_1_2_Origem_contratual.
[3] Evolução histórica do estado | PPT – SlideShare, https://pt.slideshare.net/slideshow/evoluo-histrica-do-estado-14773467/14773467.
[4] RESUMO TEORIA GERAL DO ESTADO – Docsity, https://www.docsity.com/pt/resumo-teoria-geral-do-estado/7264655/.
[5] Todo mundo fede este bárbaro domínio – A DOUTRINA DE MAQUIAVEL – EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO ESTADO – 1Library PT, https://1library.org/article/a-doutrina-de-maquiavel-evolu%C3%A7%C3%A3o-hist%C3%B3rica-do-estado.y609r2gy.
[6] A DOUTRINA DE MAQUIAVEL – EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO ESTADO – 1Library PT, https://1library.org/article/a-doutrina-de-maquiavel-evolu%C3%A7%C3%A3o-hist%C3%B3rica-do-estado.y609r2gy.
[7] RESUMO TEORIA GERAL DO ESTADO – Docsity, https://www.docsity.com/pt/resumo-teoria-geral-do-estado/7264655/.
[8] A DOUTRINA DE MAQUIAVEL – EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO ESTADO – 1Library PT, https://1library.org/article/a-doutrina-de-maquiavel-evolu%C3%A7%C3%A3o-hist%C3%B3rica-do-estado.y609r2gy.
[9] A palavra “vulgo” tem vários significados:
- Como substantivo, pode significar “o povo”, “a plebe”, “o comum dos homens”, “a pluralidade das pessoas”. Por exemplo, “A música que mais agrada ao vulgo nem sempre é a melhor”.
- Como advérbio, pode significar “vulgarmente”, “segundo o uso comum”, “como vulgarmente se diz”. Por exemplo, “que maçada” correspondia a “vulgo que chatice”
[10] A DOUTRINA DE MAQUIAVEL – EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO ESTADO – 1Library PT, https://1library.org/article/a-doutrina-de-maquiavel-evolu%C3%A7%C3%A3o-hist%C3%B3rica-do-estado.y609r2gy.
[11] Segurança é a lei estadual suprema
Pesquisa e compilação – Prof. Artur Cristiano Arantes
Homepage – https://professorarturarantes.com/