Teoria Geral do Estado Aula 05 Teoria do Contrato Social Jean-Jacques Rousseau

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TEORIA DO CONTRATO SOCIAL

A teoria contratualista, da origem convencional da sociedade humana, teve sua gênese mais remota nas especulações filosóficas dos sofistas, de­senvolvendo-se na Idade Média através da Escola Espanhola. Identificou-se com o jusnaturalismo a partir de Hugo Grotius, que deu as bases doutri­nárias desenvolvidas pelos filósofos do século XVII. Em Emmanuel Kant atingiu o contratualismo uma sólida precisão científica[4].

No mundo moderno foi Hobbes o mais destacado expositor da idéia do pacto social. Mas, como já vimos anteriormente, partia Hobbes do pressuposto de que o homem, em estado de natureza, era de uma ferocidade instintiva impeditiva da convivência pacífica. Vivia em estado de luta permanente. O homem é o lobo do homem — foi sua máxima[5].

Consequentemente, os homens realizaram o pacto voluntário constitutivo do Estado, delegando cada um, ao governo organizado, a totalidade dos seus direitos naturais de liberdade e autodeterminação[6]. Convencionaram todos a sua sub­missão física e espiritual ao poder diretivo, em benefício da paz social e da segurança de todos. Daí a sujeição total do homem ao Estado e o absolutismo necessário do poder soberano[7].

Essa concepção voluntarista do Estado foi desenvolvida de maneira mais humana e mais racional por Locke, precursor do liberalismo na Inglaterra, o qual limitava o poder de governo ao controle das relações externas do homem no meio social[8].

Os homens não delegaram ao órgão diretivo da sociedade todos os seus direitos, mas somente aqueles necessários à manu­tenção da paz e da segurança de todos. O poder público é instituído por um pacto voluntário, artificial, porém de fundo utilitário, com o objetivo precípuo do bem comum[9].

Ao Estado cabe regulamentar as condições externas da vida em sociedade e, ao mesmo tempo, respeitar e garantir aqueles direitos fundamentais da pessoa humana, que lhe são anteriores e superiores. Nestes termos, deu Locke o necessário respaldo de humanismo e liberalismo à dou­trina contratualista. Dada a conservação, pelos pactuantes, dos seus direitos naturais e, conseqüentemente, do seu poder originário de deliberação, assis­te-lhes a qualquer momento o direito de insurreição, isto é, de mudar a forma ou a composição do governo que se houver desviado da sua finalidade, que é a de promover a paz, a segurança e o bem-estar da sociedade.

JEAN JACQUES ROUSSEAU[10]

A este genial filósofo coube a tarefa de dar à teoria contratualista a sua máxima expressão[11].

Natural de Genebra (1712-1778), destacou-se, dentre todos os teóricos do voluntarismo, pela profundidade da sua construção filosófica e pela amplitude da sua influência em todo o panorama do mun­do moderno. Seus livros a respeito da formação e da fundamentação dos Estados — Discurso sobre as causas da desigualdade entre os homens e o Contrato Social — tiveram a mais ampla divulgação em todos os tempos, sendo recebidos como evangelhos revolucionários da Europa e da América no século XVIII.

No seu Discurso desenvolve Rousseau a parte crítica e, no Contrato Social, a parte dogmática. Este último, que representa, na expressão de Bergson, “a mais poderosa das influências que jamais se exerceram sobre o espírito humano”, continua sendo objeto de discussões entre os mais altos representantes do pensamento político universal, quer pelos seus erros que a evolução do mundo trouxe à tona, quer pelo seu conteúdo respeitável de verdades imperecíveis[12].

O Estado é convencional, afirmou Rousseau. Resulta da VONTADE GERAL, que é uma soma da vontade manifestada pela maioria dos indivíduos. A nação (povo organizado) é superior ao rei. Não há direito divino da Coroa, mas, sim, direito legal decorrente da soberania nacional.

A soberania nacional é ilimitada, ilimitável, total e inconstrangível. O governo é instituído para promover o bem comum, e só é suportável enquanto justo. Não correspondendo ele com os anseios populares que determinaram a sua or­ganização, o povo tem o direito de substituí-lo, refazendo o contrato… (sus­tenta, pois, o direito de revolução)[13].

Sob o martelar constante dessas máximas que empolgaram a alma da humanidade sofredora, ruíram-se os alicerces da construção milenária do Estado teológico e desencadeou-se a revolução francesa contra a ordem precária do absolutismo monárquico.

No seu ponto de partida, a filosofia de Rousseau é diametralmente oposta à de Hobbes e Spinoza[14]. Segundo a concepção destes, o estado natu­ral primitivo era de guerra mútua: status hominum naturalis bellum fuerit. Para Rousseau o estado de natureza era de felicidade perfeita: “o homem, em estado de natureza, é sadio, ágil e robusto”. Encontra facilmente o pouco de que precisa. Os únicos bens que conhece são os alimentos, a mulher e o repouso. Os únicos males que teme são a dor e a fome[15].  

Entretanto, para sua felicidade, a princípio, e para sua desgraça, mais tarde, o homem adquiriu duas virtudes que o extremam dos outros animais e que, pouco a pouco, modificaram o seu estado primitivo[16]:

a primeira, a faculdade de aquiescer ou resistir; e

a segunda, a faculdade de aperfeiçoar-se.

Essas duas capacidades, auxiliadas por múltiplas circunstâncias fortuitas, sem as quais a humanidade teria ficado eternamente na sua condição primitiva, desenvolveram a inteligência, a linguagem, e todas as outras fa­culdades que os homens haviam recebido em potencial[17].

Por outro lado, o surgimento da metalurgia e da agricultura veio engendrar a desigualdade. Os que acumulavam maiores posses passaram a dominar e submeter os mais pobres. A propriedade individual do solo, a riqueza, a miséria, as rivalidades, os sentimentos violentos, as usurpações dos ricos, os roubos dos pobres, desencadearam as paixões, abafaram a piedade e a justiça, tor­nando os homens avaros, licenciosos e perversos[18].

Nesse período, que foi de transição do estado de natureza para a sociedade civil, os homens trataram de reunir suas forças, armando um poder supremo que a todos defenderia, mantendo o estado de coisas existente[19].

Ao se associarem, porém, tinham necessidade de salvaguardar a liberdade, que é própria do homem e que, segundo o direito natural, é inalienável. O problema social consistia, assim, em encontrar uma forma de associação capaz de proporcionar os meios de defesa e proteção, com toda a força comum, às pessoas e aos seus bens, e pela qual cada um, unindo-se a todos, não tivesse de obedecer a senão a si próprio, ficando tão livre como antes do pacto[20].

Esse convênio determinante da sociedade civil, isto é, esse contrato social, teria resultado, assim, das seguintes proposições essenciais:

Cada um põe em comum sua pessoa e todo o seu poder sob a suprema direção da vontade geral; e cada um, obedecendo a essa vontade geral, não obedece senão a si mesmo.

A liberdade consiste, em última análise, em trocar cada um a sua vontade particular pela sua vontade geral. Ser livre é obedecer ao corpo social, o que equivale a obedecer a si próprio. (“JEAN-JACQUES ROUSSEAU – JUSTIFICAÇÃO DO ESTADO – 1Library PT”) O homem transfere o seu “eu” para a unidade comum, passando a ser parte do todo coletivo, do corpo social, que é a soma de vontades da maioria dos homens. O povo, organizado em corpo social, passa a ser o soberano único, enquanto a lei é, na realidade, uma manifestação positiva da vontade geral.

               Com essa “volonté générale”, eixo de toda a construção filosófica de Rousseau, confunde-se a soberania, que é inalienável, indivisível, infalível e absoluta. (“(PDF) XIII JUSTIFICAÇÃO DO ESTADO -II – Academia.edu”)

Inalienável porque, se o corpo social cedesse a sua vontade, deixaria de ser soberano. A nação não aliena, não transfere a sua vontade; apenas nomeia representantes, deputados, que devem ser denominados, mais exa­tamente, comissários, e devem executar a vontade nacional com mandato imperativo, isto é, mandato válido enquanto o mandatário bem servir[21].

Indivisível porque, a vontade é geral ou não o é. Não sendo geral, a vontade é particular, e como vontade particular não pode obrigar a todos. (“JEAN-JACQUES ROUSSEAU – JUSTIFICAÇÃO DO ESTADO – 1Library PT”)

Infalível porque, a vontade geral, por ser geral, encerra a verdade em si mesma. (“JEAN-JACQUES ROUSSEAU – JUSTIFICAÇÃO DO ESTADO – 1Library PT”)

Ab­soluta, no sentido de que o corpo social não pode sujeitar-se à vontade particular no que tange às relações externas dos indivíduos em sociedade, nem à vontade de outras nações, embora deva respeitar e garantir os direi­tos naturais, personalíssimos, de cada um. (“JEAN-JACQUES ROUSSEAU – JUSTIFICAÇÃO DO ESTADO – 1Library PT”)

“Finalmente, por ser inalienável, indivisível, infalível e absoluta, a vontade geral é também SAGRADA e INVIOLÁVEL.” (“(PDF) XIII JUSTIFICAÇÃO DO ESTADO -II – Academia.edu”)

O Contrato social de Rousseau, embora inspirado em idéias democrá­ticas, tem muito do absolutismo de Hobbes, diz Jacques Maritain, acrescentando que essa teoria “infundiu nas novas democracias uma noção antitética de soberania que veio abrir caminho para o Estado totalitário”. (“JEAN-JACQUES ROUSSEAU – JUSTIFICAÇÃO DO ESTADO – 1Library PT”)

O Prof. Ataliba Nogueira entende que a teoria de Rousseau reduziu o homem à condição de escravo da coletividade, justificando toda espécie de opressão.

Contestando essa teoria nos seus fundamentos, observa o Prof. Ma­chado Paupério que:

“ensinando Rousseau que o estado natural do homem era o de isolamento, imaginou-se, daí por diante, que a sociedade e o Estado eram artificiais, o que não é absolutamente verdadeiro”[22].

Mantendo-se rigorosamente dentro do terreno das abstrações racionalistas — escreveu Queiroz Lima —, a teoria de Rousseau mostrou bem cedo a inanidade do seu teorismo transcendente, servindo de alvo fácil às arremetidas do ecletismo oportunista e inconsequente. (“JEAN-JACQUES ROUSSEAU – JUSTIFICAÇÃO DO ESTADO – 1Library PT”)

O Prof. Duguit afirma que o pensamento de Rousseau inspirou a filo­sofia panteísta de Hegel, em que os juristas germânicos se abeberaram para a pregação da sua doutrina de absolutismo e violências.

Defensor brilhante da concepção aristotélico-tomista do Estado, acentua Alceu Amoroso Lima que a teoria do Contrato social é precursora da teoria do distrato social com que a revolução russa procura destruir violentamente a ordem burguesa e liberal, arrastando nas suas ondas os direitos da lei natural e da lei divina.

Essas e muitas outras críticas formuladas pelos pensadores modernos e pelos escritores positivistas, baseados em observações indutivas, ressal­vam, entretanto, a importância transcendente da teoria contratualista como primeiro alicerce do Estado liberal. Foi ela a base filosófica da revolução francesa, que proclamou: os homens nascem e permanecem livres e iguais em direitos. “O fim de toda associação política é a conservação dos direitos naturais do homem.” (“JEAN-JACQUES ROUSSEAU – JUSTIFICAÇÃO DO ESTADO – 1Library PT”)

A maior vulnerabilidade do contratualismo está no seu profundo con­teúdo metafísico e deontológico. Sem dúvida, a falência do Estado liberal e individualista, que não pôde dar solução aos problemas desconcertantes manifestados pela evolução social a partir da segunda metade do século XIX, trouxe à tona muitos erros dessa teoria. A estruturas mística revelou-se inadequada à solução dos problemas reais criados pela civilização industrial e muito bem retratados na famosa Encíclica Rerum Novarum, de Leão XIX. (“JEAN-JACQUES ROUSSEAU – JUSTIFICAÇÃO DO ESTADO – 1Library PT”)

Entretanto, encerra a teoria do Contrato social um conteúdo respeitá­vel de verdades imperecíveis, que continuará dominando superiormente o pensamento democrático da atualidade e do futuro.

BIBLIOGRAFIA:

  1. DALLARI, Dalmo de Abreu. – ELEMENTOS DE TEORIA GERAL DO ESTADO – Ed. Saraiva – São Paulo. (“Iraque, ONU e proteção dos direitos humanos – Jus Navigandi”) (“Iraque, ONU e proteção dos direitos humanos – Jus Navigandi”)
  2. BASTOS, Celso Ribeiro. – CURSO DE TEORIA DO ESTADO e CIÊNCIA POLÍTICA – Ed. Saraiva – São Paulo (“DE TEORIA DO ESTADO E CIÊNCIA POLÍTICA – Kufunda.net”) (“DE TEORIA DO ESTADO E CIÊNCIA POLÍTICA – Kufunda.net”)
  3. AZAMBUJA, Darcy. – TEORIA GERAL DO ESTADO – Ed. Globo – São Paulo
  4. MALUF, Sahid. – TEORIA GERAL DO ESTADO –  Sugestões Literárias – SP
  5. Constituição da República Federativa do Brasil
  6. FILOMENO, Jose Geraldo Brito. – MANUAL DE TEORIA GERAL DO ESTADO – Forense Universitária – Rio de Janeiro
  7.  ARAÚJO, Luis Ivani de Amorim. – TEORIA GERAL DO ESTADO – ed. Forense – Rio de Janeiro
  8. ZIPPELIUS, Reinhold. – TEORIA GERAL DO ESTADO – Fundação  Calouste Gulbenkian – Lisboa – Tradição de Karin Praefke e Aires Coutinho  

[4] (PDF) XIII JUSTIFICAÇÃO DO ESTADO -II – Academia.edu, https://www.academia.edu/40028867/XIII_JUSTIFICA%C3%87%C3%83O_DO_ESTADO_II.

[5] (PDF) XIII JUSTIFICAÇÃO DO ESTADO -II – Academia.edu, https://www.academia.edu/40028867/XIII_JUSTIFICA%C3%87%C3%83O_DO_ESTADO_II.

[6] (PDF) XIII JUSTIFICAÇÃO DO ESTADO -II – Academia.edu, https://www.academia.edu/40028867/XIII_JUSTIFICA%C3%87%C3%83O_DO_ESTADO_II.

[7] (PDF) XIII JUSTIFICAÇÃO DO ESTADO -II – Academia.edu, https://www.academia.edu/40028867/XIII_JUSTIFICA%C3%87%C3%83O_DO_ESTADO_II.

[8] (PDF) XIII JUSTIFICAÇÃO DO ESTADO -II – Academia.edu, https://www.academia.edu/40028867/XIII_JUSTIFICA%C3%87%C3%83O_DO_ESTADO_II.

[9] (PDF) XIII JUSTIFICAÇÃO DO ESTADO -II – Academia.edu, https://www.academia.edu/40028867/XIII_JUSTIFICA%C3%87%C3%83O_DO_ESTADO_II.

[10] Jean-Jacques Rousseau foi um importante filósofo, teórico político, escritor e compositor autodidata suíço. É considerado um dos principais filósofos do iluminismo e um precursor do romantismo.

[11] JEAN-JACQUES ROUSSEAU – JUSTIFICAÇÃO DO ESTADO – 1Library PT, https://1library.org/article/jean-jacques-rousseau-justifica%C3%A7%C3%A3o-do-estado.y609r2gy.

[12] JEAN-JACQUES ROUSSEAU – JUSTIFICAÇÃO DO ESTADO – 1Library PT, https://1library.org/article/jean-jacques-rousseau-justifica%C3%A7%C3%A3o-do-estado.y609r2gy.

[13] (PDF) XIII JUSTIFICAÇÃO DO ESTADO -II – Academia.edu, https://www.academia.edu/40028867/XIII_JUSTIFICA%C3%87%C3%83O_DO_ESTADO_II.

[14] JEAN-JACQUES ROUSSEAU – JUSTIFICAÇÃO DO ESTADO – 1Library PT, https://1library.org/article/jean-jacques-rousseau-justifica%C3%A7%C3%A3o-do-estado.y609r2gy.

[15] (PDF) XIII JUSTIFICAÇÃO DO ESTADO -II – Academia.edu, https://www.academia.edu/40028867/XIII_JUSTIFICA%C3%87%C3%83O_DO_ESTADO_II.

[16] JEAN-JACQUES ROUSSEAU – JUSTIFICAÇÃO DO ESTADO – 1Library PT, https://1library.org/article/jean-jacques-rousseau-justifica%C3%A7%C3%A3o-do-estado.y609r2gy.

[17] (PDF) XIII JUSTIFICAÇÃO DO ESTADO -II – Academia.edu, https://www.academia.edu/40028867/XIII_JUSTIFICA%C3%87%C3%83O_DO_ESTADO_II.

[18] JEAN-JACQUES ROUSSEAU – JUSTIFICAÇÃO DO ESTADO – 1Library PT, https://1library.org/article/jean-jacques-rousseau-justifica%C3%A7%C3%A3o-do-estado.y609r2gy.

[19] Teorias sobre a formação do estado – Cola da Web, https://www.coladaweb.com/direito/teorias-sobre-a-formacao-do-estado.

[20] JEAN-JACQUES ROUSSEAU – JUSTIFICAÇÃO DO ESTADO – 1Library PT, https://1library.org/article/jean-jacques-rousseau-justifica%C3%A7%C3%A3o-do-estado.y609r2gy.

[21] JEAN-JACQUES ROUSSEAU – JUSTIFICAÇÃO DO ESTADO – 1Library PT, https://1library.org/article/jean-jacques-rousseau-justifica%C3%A7%C3%A3o-do-estado.y609r2gy.

[22] JEAN-JACQUES ROUSSEAU – JUSTIFICAÇÃO DO ESTADO – 1Library PT, https://1library.org/article/jean-jacques-rousseau-justifica%C3%A7%C3%A3o-do-estado.y609r2gy.

Pesquisa e compilação – Prof. Artur Cristiano Arantes

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