QUESTÕES PRÁTICAS

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QUESTÕES PRÁTICAS

1. A BLITZ POLICIAL


               Em alemão, Blitz significa “relâmpago”, raio. Blitzkrieg quer dizer “guerra relâmpago”.

               Ambas as palavras são substantivos masculinos. Já em português, que adotou o gênero feminino, blitz passou a significar uma incursão (de guerra) ou uma batida (policial). Em geral, é usada para indicar uma batida policial de improviso, que utiliza grande aparato bélico.

               Na linguagem do futebol, blitz é uma sucessão de ataques: o time “A” fez uma blitz na área do time “B”, até marcar o gol.

               Como se trata de palavra alemã, o plural é blitze: a polícia fez várias blitze no bairro, até localizar a quadrilha; foram inúteis as blitze policiais. Essa é a dificuldade. No processo penal, quem não gosta de usar blitz (e, pior ainda, o plural blitze), não tem alternativa, a não ser escrever batida policial, batida da polícia, as batidas da polícia. Mas também poderia usar diligência (as diligências policiais resultaram na prisão do suspeito); a polícia realizou uma diligência de surpresa. Ou ainda: uma ofensiva policial surpreendeu os traficantes.

               Como se vê, as variantes são poucas. Mas, como a palavra “blitz” já consta dos nossos dicionários, parece-me razoável aportuguesar seu plural para “blitzes” (duas blitzes policiais foram realizadas na favela), porque não se justifica manter o plural alemão (blitze),  quando o próprio gênero foi mudado, do masculino para o feminino, na transposição para o vernáculo.


2. A folhas, de folhas…

               Geraldo Amaral Arruda (“A Linguagem do Juiz”) anota que o uso forense consagrou há muito as expressões “a folhas” e “de folhas”, embora também seja frequente encontrar a primeira das locuções como se houvesse também o artigo as (às folhas[1]). Portanto, podemos dizer e escrever “a folhas 22 dos autos”, “o documento de folhas 50”, expressões que podem ser abreviadas: a fls. 22, de fls. 50.

               E José Maria da Costa (“Manual de Redação Profissional”) faz longo estudo a respeito, para concluir:

1) tanto se pode usar o numeral cardinal quanto o ordinal: folhas vinte e dois ou folhas vigésima segunda[2];

2) podem-se usar as preposições a, em, de, conforme o caso: a folha, à folha, a folhas (jamais à folhas), às folhas, em folhas, na folha, nas folhas, de folhas;

3) a segunda palavra da expressão fica no singular ou vai para o plural, indiferentemente: folha ou folhas;

4) em textos jurídicos e forenses, o numeral da expressão fica invariável no masculino, ou se flexiona, optativamente, em concordância com o substantivo modificado: vinte e dois ou vinte e duas;

5) quanto ao substantivo folha ou folhas, pode-se abreviar de uma ou de outra forma: fl. ou fls., apenas com a ressalva de que não se deve empregar fls. como forma reduzida de folha.

               Em suma, todas as formas são corretas, exceto à folhas (a craseado) – ou se escreve a folhas (sem crase) ou às folhas (plural, com crase)[3]. E folha (singular) se abrevia fl. (no plural, folhas = fls.).

               Por fim, o número da folha não leva ponto no milhar: a folhas 1203 do processo (6º vol.), o documento de fls. 1501 (8º vol.). Também o ano não tem ponto: em 2003, em 2004; nascido em 1990, a Constituição de 1988.

               Só tem ponto o número da lei e seus artigos: Lei nº 1.060/50; art. 1.205 do Código Civil.

3. À medida que. 

               Não se deve escrever “à medida em que”, mas sempre “à medida que”, quando se quer usar essa locução conjuntiva (une orações), que indica a proporção em que ocorre o que se declara na outra oração: o estudante ia ficando nervoso, à medida que a data do exame se aproximava.

               O Prof. Francisco Achcar, adverte: “Embora seja frequente em meios intelectuais, especialmente universitários, é inadequado o emprego de “na medida em que” (ou variantes) em sentido puramente causal, sem qualquer ideia de proporção: “na medida em que não afirmei tal coisa, não me sinto responsável pelas consequências”[4]. Para a ideia de causa, deve-se usar porque é equivalente (já que, uma vez que, como…).

               E José Maria da Costa, juiz aposentado, hoje advogado e professor, em seu excelente Manual de Redação Profissional, publicado pela Millennium Editora, aponta um descuido do legislador, quando no art. 72 da Lei 5.754, de 16.12.71, que instituiu o regime das cooperativas, dispôs:

“A assembleia geral poderá resolver, antes de ultimada a liquidação, mas depois de pagos os credores, que o liquidante faça rateios por antecipação da partilha, à medida em que se apurem os haveres sociais”.

O certo seria usar a expressão “à medida que”

4. A nível de…

1. O ministro falou na televisão: “A nível de governo, não há previsão de reajuste dos preços dos derivados de petróleo”.

     Ele quis dizer: o governo não vai aumentar o preço dos combustíveis.

2. O comentarista esportivo proclamou: “A nível de seleção brasileira, o maior goleiro de todos os tempos, sem dúvida, foi Gilmar dos Santos Neves”.

     Ele poderia ter sido conciso: o melhor goleiro da seleção foi Gilmar.

3. O desembargador comentou: “A nível de Tribunal, há uma defasagem de dois anos no julgamento dos processos”.

     Ele diria melhor: no Tribunal, há demora de dois anos no julgamento dos processos.

4. O título de uma notícia do jornal: “Cai o nível das represas, mas não vai faltar água”. A redação está correta.

               RESUMO:

               A expressão “a nível de” não deve ser usada (veja os exemplos 1, 2 e 3 acima).

               Pode-se escrever, em casos específicos, “o nível da represa está baixo”, “ensino de nível médio” etc.

               Mas não se escrevem coisas como:

“a segurança pública deve ser tratada a nível federal” – e sim deve ser tratada pelas autoridades federais, pelo governo federal

“reunião a nível de diretoria” – e sim reunião da diretoria

“é preciso melhorar o ensino a nível municipal” – e sim é preciso melhorar o ensino municipal

5. A palavra ‘mesmo’

               A palavra “mesmo” tem largo uso na linguagem. Pode ser usada como:

“ADJETIVO – com o sentido de igual, idêntico: as mesmas pessoas, a mesma casa etc.”[5]

                       Com o sentido de este, esse, aquele: do mesmo século, da mesma rua, da mesma cidade etc.

SUBSTANTIVO – com o sentido de “a mesma coisa”: irá dizer-lhe o mesmo que eu já lhe disse; ir ou não ir, é o mesmo. (“COMO UTILIZAR A PALAVRA “MESMO”. SIGNIFICADOS, EXEMPLOS – Blogger”)

ADVÉRBIO – com o sentido de exatamente, justamente: a casa que ficava mesmo ao lado da igreja.

                       Com o sentido de até, ainda: vi, com irritação mesmo, que ele não cumpriu a palavra.

ASSIM MESMO – A expressão “assim mesmo”, pode significar

a) igualmente:

     Assim mesmo tratarei com ele a respeito do caso

b) apesar disso, contudo, ainda assim:

      Assim mesmo o livro foi editado;

      Assim mesmo a prova não era concludente;

      “Mesmo que chova (mesmo se chover) o jogo será realizado;” (“COMO UTILIZAR A PALAVRA “MESMO”. SIGNIFICADOS, EXEMPLOS – Blogger”)

c) desse mesmo modo:

      Falei assim mesmo, aconteceu assim mesmo.

               Para evitar o uso de uma palavra muito longa (independentemente  da chuva, o jogo deve ser realizado) é preferível adotar o exemplo da letra “b” (mesmo que chova – ou ainda que chova, ou mesmo se chover – o jogo deve ser realizado.

               MESMÍSSIMO – É expressão familiar, que não deve ser usada na linguagem formal: é a mesmíssima coisa.

               PRONOME PESSOAL – “Mesmo” jamais deve ser usado como pronome pessoal,
em lugar de ele:  Falei com ele (nunca: com o mesmo).

               Assim, no “aviso” (mal redigido) às portas do elevador:

“Antes de entrar no elevador, verifique se o mesmo encontra-se parado neste andar”[6]

               O legislador (tanto o estadual, como o municipal), se fosse mais zeloso pelo idioma, deveria ter redigido assim:

ANTES DE ENTRAR NO ELEVADOR, VERIFIQUE SE ELE ESTÁ PARADO NESTE ANDAR”[7].

Essa a redação correta, que infelizmente não foi adotada.

6. ACORDO AMIGÁVEL

               É preciso ter cuidado e atenção para não cair em certos vícios de linguagem, seja na fala, seja na escrita.

               Como ensina José Maria da Costa (in: “Manual de Redação Profissional”), “acordo amigável” é expressão de uso frequente nos meios forenses, mas não tem emprego legítimo.

               Trata-se de tautologia, pleonasmo vicioso a ser evitado,redundância de termos, que não confere mais vigor ou clareza à expressão.

               Tautologia, dizem os gramáticos, é outra denominação do pleonasmo vicioso, que consiste na repetição de um pensamento anteriormente enunciado. Exemplos mais comuns:

               No direito, consideram-se tautológicas expressões como:

                Todavia, são admitidos pleonasmos como “a mim me parece”, “a mim basta-me a satisfação” e outros semelhantes, usados na linguagem culta e literária. Mas, em caso de dúvida, é bom não escrever nem falar assim, para evitar o pedantismo de construções que caíram em desuso e só são empregadas por literatos, em casos especiais, para dar ênfase ao estilo[8].

               Também se consideram pleonasmo certas locuções chamadas expletivas, que podem ser usadas, vez ou outra, com certa cautela: “quase que caí”, “que santa que é esta mulher” (Napoleão Mendes de Almeida, “Dicionário de Questões Vernáculas”)[9].

               O que é uma partícula expletiva?

               É um termo da oração considerado desnecessário, podendo ser retirado sem qualquer prejuízo para ela. A partícula expletiva é também chamada de partícula de realce[10].

               Exemplos:

               Observação:

               Quando os pronomes oblíquos átonos (me, te, se, nos, vos) estiverem juntos de verbos intransitivos que possuam sujeito, eles serão considerados partículas expletivas ou de realce[11].

BIBLIOGRAFIA

ALMEIDA, Napoleão Mendes de. Dicionário de Questões Vernáculas. Ed. Caminho Suave, s/data.
ARRUDA, Geraldo Amaral. A linguagem do juiz. Ed. Saraiva, 1996.

COSTA, José Maria da. Manual de Redação Profissional. Millennium Editora, 2002.

COELHO, Teixeira. Dicionário do Brasileiro de Bolso. Edições Siciliano, 1991.

MARTINS, Eduardo. Manual de Redação e Estilo. Ed. Moderna, 3a. ed., 1991.

TOLEDO, Marleine P. M. F. e NADÓLSKIS, Hêndricas. Comunicação Jurídica. Sugestões

Literárias, 4a. ed., 2000.


[1] A folhas vinte e duas – Migalhas, https://www.migalhas.com.br/coluna/gramatigalhas/30149/a-folhas-vinte-e-duas.

[2] Dicas como se escreve a folhas, de folhas na redação! – Blogger, https://aportalaranja.blogspot.com/2018/11/dicas-como-se-escreve-folhas-de-folhas.html.

[3] Dicas como se escreve a folhas, de folhas na redação! – Blogger, https://aportalaranja.blogspot.com/2018/11/dicas-como-se-escreve-folhas-de-folhas.html.

[4] O bom português – Curso Objetivo Pré-Vestibular, https://www.curso-objetivo.br/vestibular/bom-portugues/a-medida-em-que-ou-a-medida-que-as-tropas-avancavam.aspx.

[5] raposajurídica – A palavra “mesmo”. – Google Sites, https://sites.google.com/view/raposajurdica/dicas-e-curiosidades/a-palavra-mesmo.

[6] Erros Gramaticais: Dica 002 – Mesmo: “Antes de entrar no elevador …, http://www.atocomunicacional.com.br/2015/12/erros-gramaticais-dica-002-mesmo-antes.html.

[7] Analista Judiciário – Área Administrativa – TRT/14ª Região – JT …, https://www.jurisway.org.br/v2/Provas_Resolver.asp?id_prova=576&id_questao_atual=7.

[8] Material de concursos: TAUTOLOGIA, https://materialdeconcursopublico.blogspot.com/2010/04/tautologia.html.

[9] Material de concursos: TAUTOLOGIA, https://materialdeconcursopublico.blogspot.com/2010/04/tautologia.html.

[10] O que é uma partícula expletiva? – MARIA LÚCIA MARANGON, https://marialuciamarangon.com/2018/10/27/o-que-e-uma-particula-expletiva/.

[11] Professora Carmem Schorr: PARTÍCULA DE REALCE OU EXPLETIVA – Blogger, https://professoracarmemschorr.blogspot.com/2015/08/particula-de-realce-ou-expletiva.html.

Professor Artur Arantes

Com mais de 20 anos de dedicação ao ensino, Prof. Artur Cristiano Arantes é referência para alunos que desejam aprofundar seus conhecimentos em áreas fundamentais do Direito.

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