INTRODUÇÃO
ANTES DE ESCREVER, LER
O primeiro passo para escrever é ler, e depois, refletir e raciocinar. Além disso, é preciso ser crítico, examinar com vagar e, nas horas certas, criar[1]. Embora nem sempre a criatividade deva ir para o texto, ela faz parte da atividade intelectual e, portanto, do conjunto de habilidades que um escritor deve ter.
Antes de escrever, é preciso ler muito. Leia os livros da sua matéria, da área do conhecimento que você escolheu, mas, por favor, não se limite a isso. O mundo é muito maior que sua disciplina preferida, e muito maior do que o Direito, ou qualquer outra área que você possa imaginar. O mundo é muito maior do que podemos saber. Então, para caminhar nele é mais seguro ler bastante antes de qualquer outra atividade. Informe-se.
Nunca se lance a escrever ou falar sobre um assunto sem pesquisá-lo antes, sem saber ao menos o que sobre ele fala a lei, a doutrina e a jurisprudência. Sem isso pelo menos, não ouse começar. Com apenas isso, ainda que pouco, você terá o mínimo e irá melhor que a maioria.
Então, para fazer o básico, o essencial, o “feijão com arroz”, leia sobre o assunto. Você será um bom profissional. Se quiser mais do que isso, se quiser alcançar um nível bem acima da média, se quiser procurar a excelência, então, leia sobre tudo.
Leia romances, contos, poesia, leia livros das outras áreas. Não se esqueça de um pouco de Filosofia, Psicologia e Administração. Leia muito sobre História e Geografia, pois viajar no tempo e no planeta fará bem e aumentará sua percepção e seus horizontes.
Qualquer que seja sua religião, se é que você tem uma, leia alguns livros religiosos, conheça o que falam sobre esse assunto. E, jamais, jamais, jamais se esqueça de ler biografias, e autobiografias, pois é uma das raras oportunidades – se não a única – que temos para viver de forma honesta e sadia a vida de outras pessoas, é a forma de haurir[2] as dores e alegrias já cristalizadas, e de aprender muito sobre a vida, sobre nós e sobre como se haver diante de circunstâncias que virão até nós, pois é inegável que a vida se repete.
Se você puder ler em outras mídias, experimente. Cinema, teatro, todas as artes e também agora a realidade virtual, o meio digital, nenhum espaço é vedado para quem quer “ler” sobre algum assunto. Sob certo aspecto, é mesmo interessante que um bom livro seja sorvido no papel, no audiobook, no e-book, no teatro e no cinema, e se possível na música, sem prejuízo de visitar um museu com quadros sobre o tema.
Henri Nouwen[3], professor de Harvard e Notre Dame, já havia lido a parábola do filho pródigo muitas vezes, estudado e refletido sobre ela[4]. Está em Lucas 15, versos 11 e seguintes. Um dia, no museu, vendo um quadro sobre a cena em que o filho pródigo é recebido pelo pai, ficou tão influenciado pela cena que passou horas a observá-la e, em seguida, escreveu o que é provavelmente o melhor comentário sobre o episódio. A leitura visual, proporcionada pela genialidade de um pintor, foi capaz de fazer um outro génio ser inspirado e levado a escrever um livro incomum e raro, que recomendamos[5].
William Douglas, autor do livro “Manual de Português e Redação Jurídica” nos conta que, leu o livro “A última lição”, de Randy Pausch, e não se impressionou ou emocionou com o texto. E, como diz Clarice Lispector, a coisa “toca ou não toca”. Depois, por insistência de outro leitor, que ouviu o audiobook da obra, lida pelo ator Paulo Betti, acabou ouvindo o mesmo texto em seu automóvel, durante os deslocamentos entre Niterói e Rio de Janeiro, e em engarrafamentos tantos. Pois não é que, na voz interpretada e emocionada de Paulo Betti, o livro levou o autor às lágrimas, o marcou de forma solene e inequívoca?! Não desista facilmente de um texto, seja ele seu ou de outrem.
Aqui vai outro conselho para um bom escritor: se não sabe o que é poliédrico[6] tem apenas duas opções. Ir ao dicionário (papel ou digital), agora, ou anotar o termo, em que página do livro ele se encontra e, depois de finalizado o capítulo, ir até o dicionário, aprender o significado e voltar para novamente ler o parágrafo e, então mais uma vez, dar mais um passo em direção à integral compreensão do texto e sua melhor interpretação.
Outro conselho: nunca pense que chegará à integral compreensão de um texto e à sua melhor interpretação. Isso não existe, e nem mesmo o autor se desencumbir desse desiderato (talves outra palavra para seu bloco de notas). A integral compreensão e a melhor interpretação são quimeras, são utopias. (mais duas palavras para você pesquisar). E, como todas as utopias, não servem para ser obtidas nem conseguidas, mas sim para fazer caminhar, como disse Galeano.
Então, que este capítulo sirva para que você se transforme em um leitor contumaz. Se voraz, melhor, mas se contumaz já estará bom. Leia muito, e leia coisas diferentes.
Tenha horários e disciplina para ler o essencial, e separe horários para ler o que passa do essencial. Aprenda a se divertir com a leitura e a se dar ao luxo e ao divertimento de ler por prazer.
Não se atemorize de haver no mundo mais livros do que os que você leu, isso é da natureza humana de todo homem que ama os livros. Sua biblioteca não pode ser um motivo de frustração, mas um plano de leitura. Tenha livros por causa do texto, por causa de seu bom conteúdo. Mas não tema adquiri-los, ou guardá-los, apenas porque têm uma capa bonita, ou um título genial, ou uma boa diagramação.
Crie momentos para a leitura. Ande com livros, aproveite as filas, as esperas, os momentos de solidão para que, de posse de um livro, possa aproveitar para pôr em dia sua leitura e tentar reduzir sua angústia com não conseguir ler. Tenha livros estrategicamente deixados onde você possa dar uma espiadela de vez em quando.
Crie também os momentos de estudo. Além da leitura lúdica e contumaz, é preciso um estudo disciplinado e, de preferência, diário. Senão isso, faça ao menos um quadro semanal de horário que resguarde o tempo para o estudo e para a atualização. O conhecimento é bem que se deprecia, ainda mais em tempos onde a informação é produzida de forma tão virulenta e magnífica. Se à quantidade de informação se somar a capacidade de seleção e interpretação, você se transformará em uma pessoa poderosa.
Feita a leitura e separado o tempo, será possível a reflexão e o raciocínio. Para isso, os livros ensinarão os primeiros passos e sempre serão um mentor precioso, mas também recomendamos que o leitor faça cursos, assista a aulas, palestras, seminários e simpósios. Esteja ao redor de quem raciocina, ouça essas pessoas e examine o que elas dizem e como se comportam, para extrair o melhor aprendizado que suas palavras e atos podem proporcionar (mesmo que não concorde com suas opiniões).
SEJA CURIOSO – TENHA O DESEJO DE APRENDER
Nunca se permita fazer, escrever ou falar algo na sua profissão sem ter estudado ou pesquisado antes, mesmo que minimamente, o assunto.
Outro ponto. Embora não seja absolutamente dispensável na área jurídica a criatividade é um instrumento muito útil. Criar soluções utilizando a lógica, a legislação e o raciocínio é indispensável. O que dizemos ser uma opção recomendada é a capacidade de ir um pouco além. É a capacidade de não se limitar aos paradigmas essenciais. Nossa profissão é muito atrelada ao que já está posto, à lei, à doutrina e à jurisprudência. O esforço para diminuir o número de processos, por estar sendo feito de forma equivocada, está diminuindo o espaço para a discussão e a criação de outras soluções. As súmulas vinculantes, por exemplo, diminuem a possibilidade de se decantar um problema e de se dar tempo para que os operadores jurídicos analisem todos os ângulos e possibilidades de um determinado questionamento ou situação.
Pelo excesso de trabalho, advogados e juízes acostumam-se, em erro que desde estagiários até ministros do Supremo repetem, a viver de decisões já proferidas, de precedentes, modelos prontos para petições e decisões… e isso diminui muito a qualidade do trabalho. Uma coisa é aproveitar uma decisão para caso análogo, outra coisa, gravíssima, é perder a capacidade de analisar o caso, de buscar elementos que tornem um caso diferente (por mais semelhante que possa parecer).
A capacidade de distinguir e de dar soluções para as especificidades é o que transforma o profissional de mediano em excepcional. E apenas os excepcionais nunca ficam sem prémios, remuneração e reconhecimento.
Recomendamos que você, como operador do Direito, aprenda a caminhar bem por estes instrumentos: a lei, a doutrina e a jurisprudência. Dependendo do seu objetivo, a criatividade, o questionamento, a alternatividade não serão pragmáticos, por exemplo, para levá-lo à aprovação em um concurso ou a lidar com um professor ou orientador mais conservador. Contudo, existem diversos espaços e muitos prazeres em se criar, questionar, olhar o outro lado, pensar lateralmente etc.
Em suma, você não pode deixar de ler, refletir e raciocinar. E, se puder ser um pouco criativo, isso não será ruim, ao contrário.
Esses são passos importantes para a redação. Quanto a escrever o texto perfeito, que diga tudo da forma exata e que seja integralmente compreendido e interpretado de forma correta e não sujeita a equívocos… bem, isso é outra utopia. E, como já dissemos, não deve nos angustiar. É nosso desafio, nosso ofício e também uma de nossas formas de prazer e diversão. É nossa utopia e, se tudo der certo, igualmente a sua.
Fonte:
AQUINO, Renato, DOUGLAS William. Manual de Português e Redação Jurídica5a edição – Niterói: Impetus, 2014. (“Manual de português e redação jurídica – Justiça Eleitoral”)
O autor é seu professor; respeite-o – não faça cópia ilegal.
“TODOS OS DIREITOS RESERVADOS – É proibida a reprodução, salvo pequenos trechos, mencionando-se a fonte.” (“MANUAL DE PORTUGUES E REDAÇAO JURIDICA – Justiça Eleitoral”)
A violação dos direitos autorais (Lei n” 9.610/98) é crime (art. 184 do Código Penal).
Depósito legal na Biblioteca Nacional, conforme Decreto n° 1.825, de 20/12/1907.
[1] ANTES DE ESCREVER, REFLETIR E RACIOCINAR, https://www.trabalhosgratuitos.com/Humanas/Direito/ANTES-DE-ESCREVER-REFLETIR-E-RACIOCINAR-1358037.html.
[2] Haurir – consumir (algo) inteiramente; esgotar, esvaziar, beber, retirar (algo) de dentro de onde estava, pondo-o para fora; extrair, colher
[3] Padre, professor, psicólogo e escritor, Henri J. M. Nouwen nasceu na Holanda, em 1932, e morreu em 1996, de ataque cardíaco. Desde os cinco anos de idade, Nouwen falava sobre suas pretensões de ser padre, e ele estava decidido a isso. Formou-se em teologia e psicologia na Holanda, tendo sido ordenado pouco tempo depois, em 1957. Nouwen passou os primeiros cinco anos de seu ministério realizando algumas de suas notáveis ambições: estudou na renomada clínica psiquiátrica de Karl Menninger (EUA), lecionou nas universidades de Notre Dame e Yale e viajou muito como conferencista. Por sua ênfase ecumênica e ligeiramente aberta em relação à fé cristã, Nouwen teve o privilégio de falar tanto para católicos como para evangélicos, tendo trânsito livre entre estes dois grupos. Até hoje ele é muito respeitado e lido tanto em uma como em outra vertente religiosa
[4] ANTES DE ESCREVER, REFLETIR E RACIOCINAR, https://www.trabalhosgratuitos.com/Humanas/Direito/ANTES-DE-ESCREVER-REFLETIR-E-RACIOCINAR-1358037.html.
[5] Disponível em:
https://docslide.com.br/documents/a-volta-do-filho-prodigo-55edc90ced0d4.html
[6] Disponível em:
http://brasilescola.uol.com.br/matematica/poliedros.htm