CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS: DIREITO
V SIMPÓSIO DE PESQUISA, EXTENSÃO E ENSINO
V SIMPE/UNIPINHAL – 24-26 de Maio de 2010[1]
ENSINO E RESPONSABILIDADE SOCIAL, BASES PARA O DESENVOLVIMENTO REGIONAL
Centro Regional Universitário de Espírito Santo do Pinhal – UNIPINHAL
Avenida Hélio Vergueiro Leite, S/Nº – Caixa Postal 5 – CEP: 13.990-970
ARANTES, A. C.
Advogado, Professor de Graduação do UNIPINHAL nas Disciplinas de Teoria Geral do Estado, Direito Constitucional e Medicina Legal, ex-Professor de Graduação do IIES-UNIP na Disciplina de Medicina Legal, Ex-Professor em Graduação da FAM e Professor de Extensão do Unisal-Americana
prof.arturcristiano@gmail.com – ac.arantes.advocacia@gmail.com [2] http://lattes.cnpq.br/5868274466965352
INTERNAÇÃO COMPULSÓRIA E OU INVOLUNTÁRIA
FRENTE AOS DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTARIS
E DIREITOS HUMANOS
RESUMO
Tem por objeto este artigo tecer breves comentários sobre a internação compulsória em face ao alcoolismo e ou toxicomania em geral, com relação aos Princípios dos Direitos Humanos e aos mandamentos dispostos na nossa Constituição Federal promulgada em 1988, no que tange aos Direitos e Garantias Fundamentais tendo em vista que o uso indiscriminado dessas drogas que é, certamente, o maior flagelo sofrido pela humanidade nos últimos anos. Pretende, o artigo, metodologicamente, colocar algumas questões legais de enfrentamento do problema da internação compulsória.
Palavras-chave: Direitos humanos; Internação compulsória; Internação involuntária; Alcoolismo; LEI 10.216/2001; Drogas
INTRODUÇÃO
Em minha convivência acadêmica com jovens universitários e observando o quanto eles têm se envolvido com o uso de drogas lícitas e ilícitas é que motiva a construção deste breve artigo.
Em que pese a ação de grupos sociais conscientes que se debruçam diante deste cenário em atitudes muito mais que meramente contemplativa, mobilizando-se na formação e manutenção de entidades públicas, privadas, religiosas, filantrópicas que, congregando especialistas voluntários ou não, fornecem aconselhamento, permitem a troca de experiências e proporcionam tratamento aos dependentes, o consumo, principalmente do álcool, tem aumentado assustadoramente, em especial entre os jovens. Um pouco também por imposição da mídia que estereotipa o indivíduo feliz associando-o ao consumo de bebidas e outro tanto em face ao esfacelamento da sociedade familiar, onde a inserção no mercado de trabalho da mulher-mãe, por necessidades pessoais e de composição do orçamento do casal, acaba por deixar aos cuidados de terceiros seus filhos.
A FAMÍLIA x A MÍDIA
A aparente normalidade do uso corriqueiro de bebidas alcoólicas dentro de casa e nos ambientes sociais, a desagregação familiar, a falta de diálogo franco entre pais e filhos, a curiosidade, a necessidade de afirmação perante um grupo, a propagação da ideia de que existem drogas “inocentes” e, em especial, a ganância da indústria do entretenimento são, entre tantas, algumas das causas desta explosão irracional do uso de álcool (e narcóticos). Também a mudança de hábitos, a flexibilização dos padrões de conduta moral, a instantaneidade das informações e as facilidades da sociedade de consumo, tudo leva o jovem a considerar normal o consumo diuturno de álcool. Vemos diuturnamente em propagandas na televisão, rádio, revistas e jornais, jovens felizes consumindo uma variedade significativa de bebidas alcoólicas, como se a felicidade fosse absolutamente fruto desse consumo. Seja jovem (feliz) sarado, cheio de garotas interessadas em você, ou, seja linda, maravilhosa “descolada” cheia de garotos “interessados”. Essa é a subliminar propaganda.
Em consequência, mães e pais desesperados batem às portas dessas instituições ou do poder público, relatando que já perderam tudo: a paz, o sono, a saúde, o patrimônio. Agora, estão prestes a perder a esperança e a vida, levadas de roldão pelo comportamento suicida de um filho ou familiar que se atirou no poço profundo do vício do álcool e ou das drogas, de onde não tem forças para sair.[3]
TRATAMENTO
Todos os terapeutas, médicos, psicólogos, sociólogos etc., defendem que alguma intervenção terapêutica há de ser executada, mesmo que divergentes acerca da melhor forma de tratamento, consideram sempre melhor a ação do que a omissão. São divergentes as opiniões, mas todos concordam que algo deva ser feito, e com urgência, pois são raríssimos os casos de adictos ativos que conseguiram se libertar, sem o auxílio da família ou de terceiros, do vício, o que não significa que todos precisem de internação.
O tratamento somático e psicossocial bem ajustado, no plano doméstico ou ambulatorial, é capaz de inibir o uso das drogas lícitas ou ilícitas, recuperar pessoas e orientar sobre as possíveis recaídas. Mas a internação é, quase sempre, evocada pela família como a primeira e única porta de saída para a crise gerada pelo comportamento desregrado de um de seus membros.
Surge então o questionamento: É possível obrigar alguém a se submeter a um tratamento?[4] É possível e útil a internação compulsória para tratamento do alcoolismo e mesmo dos toxicômanos?
No cotejo entre os direitos constitucionais do cidadão e a imperiosa necessidade de tratamento, a legislação permite que o juiz, em análise firmada na assessoria médico-pericial, possibilite ou, até mesmo, imponha a internação. É o que alguns denominam “justiça terapêutica”[5].
O Código de Ética Médica afirma que o paciente ou seu representante legal tem o direito de escolher o local onde será tratado e os profissionais que o assistirão. Assim, teoricamente o paciente poderia decidir livremente sobre a sua pessoa ou seu bem-estar. Os Juristas enfatizam que obrigar o paciente a se submeter, contra a sua vontade, a um regime de confinamento institucional é sinônimo de ilícito penal (cárcere privado). O paternalismo ou o autoritarismo médico seria, nesses casos, capaz de inibir ou contrariar direitos elementares de cidadania, próprios da condição humana. A advertência, entretanto, não pode ser interpretada a partir de uma autonomia que o doente mental não tem[6]. Aplica-se, por coerência, apenas a casos de normalidade psíquica.
Para os dependentes químicos (quer seja de álcool ou outras drogas), integra o próprio quadro da doença a postura refratária ao tratamento e dobrar-se a esta resistência significa afrontar a mais elementar das prerrogativas: o direito à vida. Ainda que se diga que tratamentos compulsórios são estéreis para gerar resultados proveitosos, a tentativa em obtê-los pela força é o derradeiro grito de quem não consegue cruzar os braços ante a marcha galopante e inevitável de um ente querido rumo ao abismo da morte[7].
A internação voluntária, conforme o próprio nome revela, é caracterizada pelo consentimento do paciente em ser hospitalizado. A disposição do paciente para se tratar tem uma influência inegável na recuperação de seu transtorno. Esse tipo de internação pode tranquilizar o paciente, sua família e até mesmo, o próprio médico.
A internação involuntária, por sua vez, é aquela realizada sem o consentimento do paciente e a pedido de terceiros. Habitualmente, são os familiares que solicitam a internação do paciente, mas é possível que o pedido venha de outras fontes. Situações como doença mental com alto risco de autoagressão ou hetero-agressão, bem como transtorno grave que comprometa a capacidade do paciente de reconhecer a necessidade do tratamento e de aceitá-lo, dentre outras, são freqüentes indicações de internação involuntária. A internação involuntária terminará com a alta médica dada pelo responsável pelo tratamento. No entanto, ela poderá também ser interrompida mediante solicitação escrita do familiar ou responsável legal.
Cabe comentar que, não raramente, observa-se uma certa confusão entre a internação involuntária e a internação compulsória. Além de não se tratar de sinônimos, uma internação involuntária pode não ser compulsória, assim como uma internação compulsória pode não ser involuntária[8]. Para clarear o que foi dito, exemplificamos:
1) Internação voluntária: o paciente solicita voluntariamente sua internação. Quando da alta, se esta for a pedido do paciente, este também deve assinar uma solicitação por escrito.
2) Internação compulsória e involuntária: o juiz determina o procedimento, mas o paciente se recusa a ser internado[9]. Nesse caso, o médico procede à internação, não precisando comunicar a sua execução ao judiciário.
3) Internação compulsória, mas voluntária: o juiz determina o procedimento e o paciente também deseja a internação. Procede-se normalmente à internação.
4) Internação involuntária, mas não compulsória: o psiquiatra indica, realiza a internação e comunica ao Ministério Público em um prazo de 72 horas.
O que nos leva a outra questão crucial na análise do tema, ou seja, a autonomia versus a beneficência. Embora a autonomia seja um princípio fortemente defendido em Bioética, esse conflito se dissolveria ao levantarmos a seguinte questão: “os pacientes, para quem é indicada a internação involuntária, possuem condições psíquicas de serem autônomos?”
Examinemos as seguintes frases:
(1) todo indivíduo tem o direito à liberdade de ser autônomo;
(2) todo indivíduo tem autonomia suficiente para ser livre.
Enquanto a primeira asserção está apoiada numa presumível igualdade de direitos assegurada às pessoas, ele não se pode dizer em relação à segunda, que pressupõe, por sua vez, que o indivíduo exerça capacidades e ou ações próprias para alcançar sua condição de autônomo. Assim, embora liberdade e autonomia sejam dois termos que guardam inextricáveis relações entre si, as duas ideias possuem também elementos diferenciadores, de difícil captação, mas que delimitam o terreno de cada uma delas.[10]
LEGISLAÇÃO CONSTITUCIONAL
O comando constitucional no campo das liberdades humanas é claro e preciso. Assim é que a primeira abordagem técnica, no Direito brasileiro, a explorar a diferença entre direito e garantia foi realizada por Rui Barbosa. Para ele, os direitos seriam disposições declaratórias, e as garantias, disposições assecuratórias. Ou, em outras palavras: o direito é o bem da vida que se protege, guardado pela Constituição. A garantia é o mecanismo criado pela Constituição para defender o direito.
Os direitos fundamentais têm, segundo nota Luiz Alberto David Araújo[11], um caráter histórico, e importantes documentos são encontráveis na análise da sua evolução, como a Magna Carta Libertatum, de 1215, a Declaração de Direitos do Bom Povo da Virgínia, de 1776, a Declaração de Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789, e a Declaração Universal dos Direitos do Homem, de 1948.
Na lição de Canotilho[12], os direitos fundamentais, exercem a função de defesa do cidadão sob dupla perspectiva: (a) no plano jurídico-político, funcionam como normas de competência negativa para os Poderes Públicos, proibindo-os de atentarem contra a esfera individual da pessoa; (b) no plano jurídico-subjetivo, implicam o poder de exercer positivamente os direitos fundamentais (liberdade positiva), e de exigir omissões dos poderes públicos.
Os direitos fundamentais classificam-se em[13]: (a) direitos de primeira geração: são os direitos civis e políticos, e compreendem as liberdades clássicas (liberdade, propriedade, vida, segurança). São direitos do indivíduo perante o Estado; (b) direitos de segunda geração: são os direitos econômicos, sociais e culturais. São os que exigem uma prestação do Estado em relação ao indivíduo; e (c) direitos de terceira geração: são direitos coletivos, como ao meio ambiente, à qualidade de vida saudável, à paz, à autodeterminação dos povos e a defesa do consumidor, da infância e da juventude.
Finalmente, cabe dizer que:
(1) os direitos fundamentais não são absolutos, já que podem chocar-se esses direitos de outra pessoa, caso em que deverá haver uma composição, com cessão de ambos os lados; e
(2) os direitos fundamentais são irrenunciáveis, podendo o seu titular apenas, se quiser, deixar de exercê-los, mas não renunciar a eles.
Portanto a principal disposição do caput do art. 5°, da Constituição Federal vigente, é o Princípio da Igualdade Formal, ou Princípio da Isonomia, segundo o qual “todos são iguais perante a lei”. Não significa ele que todas as pessoas terão tratamento absolutamente igual pelas leis brasileiras, mas que terão tratamento diferenciado na medida das suas diferenças, o que leva à conclusão, com Celso Bastos, de que o verdadeiro conteúdo do princípio é o direito da pessoa de não ser desigualada pela lei. O que a Constituição exige é que as diferenciações impostas sejam justificáveis pelos objetivos que se pretende atingir pela lei[14].[15]
Avançando e trazendo mais para perto de nosso tema inicial vemos que no inciso II do referido artigo constitucional está o importantíssimo Princípio da Legalidade, segundo o qual apenas uma Lei (no sentido stricto sensu), regularmente votada pelo Poder Legislativo e sancionada pelo Poder Executivo, é capaz de criar a alguma pessoa obrigação de fazer ou não fazer alguma coisa. Lei, nessa linha, é todo comando genérico e abstrato (aprovado pelo Legislativo) que inova o ordenamento jurídico, obrigando, proibindo ou permitindo. Decretos, portarias, instruções, resoluções, nada disso pode criar uma obrigação a alguém se não estiver fundamentada numa lei onde tal obrigação seja prevista[16]. Este é o sentido do dispositivo.
É de se ressaltar a existência de uma nítida diferença entre o princípio da legalidade e o princípio da reserva legal. O princípio da legalidade impõe a submissão à lei e admite duas leituras: (1) a de que somente a lei pode obrigar, e nada mais, constituindo-se, assim, em garantia da pessoa contra os excessos do Poder Público, (2) e a segunda é a de que uma vez que exista a lei, o seu cumprimento é obrigatório, no que se constitui num dever da pessoa. Já o princípio da reserva legal, mais estrito, revela na submissão de determinada matéria ao regulamento por lei.
Na sequência o inciso III diz: “ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante”. Como já visto, este inciso visa, dentre outras coisas, proteger a dignidade da pessoa contra atos que poderiam atentar contra ela. Tratamento desumano é aquele que se tem por contrário à condição de pessoa humana. Tratamento degradante é aquele que, aplicado, diminui a condição de pessoa humana e sua dignidade. Tortura é sofrimento psíquico ou físico imposto a uma pessoa, por qualquer meio.[17]
Continuando podemos ainda observar o disposto no inciso XXXV do referido art. 5º: “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito.” Tal inciso cuida do importante Princípio da Inafastabilidade da Jurisdição, ou do Acesso ao Judiciário, ou do Direito de Ação, de onde se produzem de imediato dois importantes efeitos: (1) é consagrado ao Judiciário o monopólio da jurisdição, (2) e é garantido à pessoa o direto de ter acesso a esse Poder. Segundo o princípio, é inconstitucional qualquer obstáculo entre a pessoa cujo direito esteja lesado ou ameaçado de lesão e o Poder Judiciário, único competente para resolver definitivamente qualquer assunto que envolva direito[18]. A decisão proferida pelo Judiciário é, assim, final e impositiva, e deverá ser observada pelas partes, sendo que não é possível a rediscussão do assunto no próprio Judiciário ou em qualquer dos outros Poderes da República. Como se viu na análise do inciso II deste artigo, o Princípio da Legalidade afirma que somente a lei pode obrigar a fazer ou não fazer alguma coisa. E essa lei nunca poderá prever que eventuais danos que cause ou possa causar na sua aplicação não poderão ser apreciados pelo Judiciário, ou somente poderão sê-lo depois da tomada de outra atitude[19].
LEGISLAÇÃO INFRACONSTITUCIONAL
Qualquer atividade de atenção e reinserção social exige a observância de princípios legais, como o respeito ao dependente de drogas ou álcool, a definição de projeto terapêutico individualizado e o atendimento, ao doente e a seus familiares, por equipes multiprofissionais.[20]
A lei antidrogas prevê que o agente considerado inimputável (por não entender, em razão da dependência, o caráter ilícito do crime) deve ser encaminhado pelo juiz a tratamento médico[21]. O magistrado poderá determinar ao Poder Público que coloque à disposição do infrator, gratuitamente, estabelecimento de saúde, preferencialmente ambulatorial, para tratamento especializado.[22]
O Decreto 891/38, produzido pelo Governo Vargas, continua em vigor e permite que os toxicômanos ou intoxicados habituais sejam submetidos a internação obrigatória ou facultativa, por tempo determinado ou não. A medida tem cabimento sempre que se mostre como forma de tratamento adequado ao enfermo ou conveniente à ordem pública e será efetivada em hospital oficial ou estabelecimento hospitalar submetido à fiscalização oficial. O pedido pode ser formulado pela autoridade policial, pelo Ministério Público ou, conforme o caso, por familiares do doente[23].
Na esfera da Infância e da Juventude, a internação pode ser requerida judicialmente pelo Ministério Público, como medida protetiva à criança ou ao adolescente.[24] Há casos em que a internação voluntária é providenciada pelo Conselho Tutelar, independentemente de ordem judicial.[25] A inclusão em programa oficial ou comunitário de auxílio, orientação e tratamento a alcoólatras e toxicômanos é também medida aplicável aos pais[26].
Paralelamente, como medida de restrição a atos da vida civil, o Código Civil também prevê a possibilidade de interdição de ébrios habituais e dos viciados em tóxicos.[27] A curatela é o encargo deferido por lei a alguém para reger a pessoa e administrar os bens de outrem, que não pode fazê-lo por si mesmo.[28] É instituto de proteção como a tutela, destinado, contudo, a pessoas diferentes[29]. Enquanto o primeiro tem em vista as pessoas relacionadas no art. 1728 (menores de pais falecidos, ausentes ou que decaíram do poder familiar), o segundo destina-se aos sujeitos maiores arrolados no art. 1767 que, por razões diversas, não podem cuidar sozinhos dos próprios interesses. Contudo, pessoas menores podem ser interditadas, ficando sujeitas a curatela, por exemplo, no caso de adolescente deficiente mental ou viciado em tóxicos[30].
Difere, ainda, a tutela da curatela, a primeira pode ser testamentária e a segunda, só legítima; a primeira por abranger pessoas e bens e a segunda por compreender somente a administração dos bens do incapaz, como no caso dos pródigos; a segunda por conferir poderes mais restritos ao curador que ao tutor. A curatela apresenta quatro características relevantes:
(1) tem caráter eminentemente publicita;
(2) tem, também, caráter supletivo da capacidade;
(3) é temporária, perdurando somente enquanto a causa da incapacidade se mantiver, cessada a causa, levanta-se a interdição;
(4) sua decretação requer certeza (absoluta) da incapacidade.[31]
Existem ainda outras espécies de curatela que não guardam relação com o assunto em tela.
A curatela das pessoas mencionadas no art. 1767 (CC/02) exige prévio processo de interdição[32]. O grau de incapacidade delas está relacionado diretamente ao disposto nos arts. 3º e 4º do Código Civil de 2002[33], referentes à capacidade das pessoas naturais e poderá ser absoluto ou relativo.
A curatela a que se refere o inciso III (…os ébrios eventuais e os viciados em tóxicos) será relativa ou limitada, ficando a critério do juiz, por ocasião da sentença, estabelecer seus limites. Luiz Rodrigues Wambier[34] afirma caber ao juiz determinar se a interdição se limita a termo, ou se a atividade co curador abrange toda a administração da vida do interditando, os bens ou alguns bens. Assim é que o álcool e as substâncias entorpecentes podem reduzir o entendimento por afetar o cérebro, tornando o indivíduo relativamente incapaz, sujeitando-o à curatela relativa. Entretanto, se a gravidade for de tal ordem que iniba o indivíduo completamente de entender, a incapacidade será absoluta[35].
Por derradeiro, apenas para citar há de se observar os ditames da Lei n. 10.216 publicada no D.O.U. de 09-04-2001, que dispõe sobre a proteção e os direitos das pessoas portadoras de transtornos mentais e redireciona o modelo assistencial em saúde mental.
CONCLUSÃO
Além da a autonomia versus a beneficência., como vimos anteriormente, há de se considerar o fator coletividade, ou seja, até que ponto podemos preservar os direitos fundamentais de liberdade do indivíduo em composição com os direitos da coletividade, seja essa coletividade social ou mesmo familiar.
A profilaxia mental, a assistência e a proteção à pessoa e aos bens do indivíduo acometido por doença mental, toxicomania ou intoxicação habitual (álcool p.ex.) são regulados pelo Decreto nº 24.559/34 e pelo Decreto-Lei nº 891/38.
O art. 32 do Decreto-Lei nº 891/38 estabelece que a competência para deliberar sobre a internação é do “Juízo de Órfãos”[36]. O COJE (art. 73, III, “a”), confere tal competência às Varas de Família, portanto, “não há como negar que a demanda principal diz respeito à capacidade da pessoa quando se busca, pela via da internação compulsória, sua proteção”. Assim, a ação que objetiva internação compulsória perquire, direta ou indiretamente, com o estado ou capacidade da pessoa[37].
Como nos informa Lenza[38], há de se considerar a aplicação direta dos direitos fundamentais às relações privadas, especialmente ante atividades (comportamentos) que tenham certo caráter público e aí o Magistrado poderá se confrontar com a colisão de direitos, quais sejam, o princípio da autonomia da vontade e o da dignidade da pessoa com a máxima efetividade dos direitos fundamentais. Assim a ponderação de interesses, a luz da razoabilidade e da harmonização social, terá, o Judiciário, de avaliar qual deva prevalecer.
Isto posto, podemos concluir no sentido de que a internação compulsória e involuntária é perfeitamente cabível no ordenamento jurídico pátrio, e, não fere o direito da pessoa humana, pelo contrário, é algo a ser feito no sentido da preservação da dignidade do enfermo. Na nossa modesta ótica entendemos que a internação compulsória e ou involuntária, quando previamente e corretamente diagnosticada sua necessidade, não fere Direitos Humanos, muito pelo contrário, repetimos, vem a fortalecer o princípio a mantença da dignidade do enfermo que não tem condições de responder por si, em face ao vício, quer seja de drogas lícitas (álcool, p.ex.) e ou ilícitas (tóxicos em geral). Desumano seria a desorientação que desemboca, quase sempre, na resposta igualmente violenta (berço de grandes tragédias familiares), na omissão (o doente recebe o anátema de “caso perdido”)[39].
BIBLIOGRAFIA:
ARAÚJO, Luiz Alberto David. Curso de Direito Constitucional – Ed. Saraiva – São Paulo
GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito de Família. São Paulo, Saraiva, v. II.
LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado. São Paulo, Saraiva.
MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de Direito Civil – Direito de Família. São Paulo, Saraiva., v. II
SILVA, José Afonso da – Curso de Direito Constitucional Positivo – Ed. Malheiros – São Paulo
WAMBIER, Luiz Rodrigues. Curso Avançado de Processo Civil. São Paulo, Revista dos Tribunais, 2002, v. III
Sites Visitados
http://www.tj.sp.gov.b
http://www2.camara.gov.br/proposicoes
http://www.stf.jus.br/portal/principal/principal.asp
http://www6.senado.gov.br/sicon/PreparaPesquisaLegislacao.action http://www.abpbrasil.org.br/boletim/exibBoletim/?bol_id=10&boltex_id=40
http://www.adroga.casadia.org/leis/internacao-compulsoria-tratamento-alcoolatras-dependentes-quimicos.htm
Publicado também em:
https://www.linkedin.com/pulse/ci%C3%AAncias-sociais-aplicadas-direito-prof-artur-cristiano-arantes-eio1f/?trackingId=zsRLLSMQp4ljrjI9ddeYzg%3D%3D
[1] Também publicado em: REVISTA JURÍDICA – Periódico Científico do Curso de Direito do Claretiano Centro Universitário de Rio Claro – ANO X – 2015 – ISSN: 1679-625X – pp. 63 – 83
[2] E-mails atualizados para 2024
[3] http://www.adroga.casadia.org/leis/internacao-compulsoria-tratamento-alcoolatras-dependentes-quimicos.htm
[4] Surge então o questionamento: é… – Associação Lar – ALAR – Facebook, https://www.facebook.com/AssociacaoLarAlar/posts/surge-ent%C3%A3o-o-questionamento-%C3%A9-poss%C3%ADvel-obrigar-algu%C3%A9m-a-se-submeter-a-um-tratam/596591410355293/.
[5] CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS : DIREITO (INTERNAÇÃO COMPULSÓRIA), https://pt.linkedin.com/pulse/ci%C3%AAncias-sociais-aplicadas-direito-prof-artur-cristiano-arantes-eio1f.
[6] Internação compulsória para tratamento de alcoólatras e dependentes …, https://www.migalhas.com.br/depeso/43263/internacao-compulsoria-para-tratamento-de-alcoolatras-e-dependentes-quimicos.
[7] http://www.adroga.casadia.org/leis/internacao-compulsoria-tratamento-alcoolatras-dependentes-quimicos.htm
[8] Tipos de internação psiquiátrica – Procure Ajuda,
https://www.procureajuda.com.br/blog/tipos-de-internacao-psiquiatrica.
[9] CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS : DIREITO (INTERNAÇÃO COMPULSÓRIA), https://pt.linkedin.com/pulse/ci%C3%AAncias-sociais-aplicadas-direito-prof-artur-cristiano-arantes-eio1f.
[10] in Internação Involuntária em Psiquiatria – autor Elias Abdalla-Filho http://www.abpbrasil.org.br/boletim/exibBoletim/?bol_id=10&boltex_id=40
[11] in – Curso de Direito Constitucional – Ed. Saraiva – São Paulo
[12] Apud – SILVA, José Afonso da – CURSO DE DIREITO CONSTITUCIONAL POSITIVO – Ed. Malheiros – São Paulo
[13] DIREITO CONSTITUCIONAL – The Trek BBS, https://www.angelfire.com/ar/rosa01/direito14.html.
[14] Assim, por exemplo. diferençar homem e mulher num concurso público será, em geral, inconstitucional, a não ser que o cargo seja de atendente ou carcereira de uma penitenciária de mulheres, quando, então, a proibição de inscrição a indivíduos do sexo masculino se justifica.
[15] COMENTÁRIOS AO ARTIGO 5º DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL, https://www.passeidireto.com/arquivo/4741610/comentarios-ao-artigo-5-da-constituicao-federal.
[16] CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS : DIREITO (INTERNAÇÃO COMPULSÓRIA), https://pt.linkedin.com/pulse/ci%C3%AAncias-sociais-aplicadas-direito-prof-artur-cristiano-arantes-eio1f.
[17] A Lei n° 9.455, de 7/4/97, veio definir, finalmente, os crimes de tortura, até então não existentes no Direito brasileiro. Tanto que o STF concedeu hábeas corpus a um policial militar paulista que estava preso sob a alegação de ter “torturado” um preso, ocasião em que o Supremo reconheceu a inexistência do crime de tortura. Com essa lei de 1997 passou a ter definição legal, qual seja o constrangimento a alguém, mediante o emprego de violência ou grave ameaça, física ou psíquica, causando-lhe sofrimento físico ou mental.
COMENTÁRIOS AO ARTIGO 5º DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL,
https://www.passeidireto.com/arquivo/4741610/comentarios-ao-artigo-5-da-constituicao-federal.
[18] CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS : DIREITO (INTERNAÇÃO COMPULSÓRIA), https://pt.linkedin.com/pulse/ci%C3%AAncias-sociais-aplicadas-direito-prof-artur-cristiano-arantes-eio1f.
[19] Apostila de Direito Constitucional para Concursos – in www.acheiconcursos.com.br
[20] cf. art. 22, da lei 11.343/06
[21] cf. Art. 45 da mesma lei
[22] cf. art. 28, § 7º, da lei 11.343/06
[23] Internação compulsória para tratamento de alcoólatras e dependentes …, https://www.migalhas.com.br/depeso/43263/internacao-compulsoria-para-tratamento-de-alcoolatras-e-dependentes-quimicos.
[24] cf. art. 101, inc. V e VI, ECA
[25] cf. art. 136, I, ECA
[26] cf. art. 129, inc. II e 136, inc. II, ECA
[27] cf. art. 1767, inc. III, CC/02
[28] MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de Direito Civil – Direito de Família. São Paulo, Saraiva., v. II – Art. 1743 do Código Civil – Lei 10406/02 | Jusbrasil, https://www.jusbrasil.com.br/topicos/10611856/artigo-1743-da-lei-n-10406-de-10-de-janeiro-de-2002.
[29] Tribunal de Justiça de Minas Gerais TJ-MG – Agravo de … – Jusbrasil, https://www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/tj-mg/1271066980/inteiro-teor-1271066987.
[30] CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS : DIREITO (INTERNAÇÃO COMPULSÓRIA), https://pt.linkedin.com/pulse/ci%C3%AAncias-sociais-aplicadas-direito-prof-artur-cristiano-arantes-eio1f.
[31] GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito de Família. São Paulo, Saraiva, v. II, 2002
[32] CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS : DIREITO (INTERNAÇÃO COMPULSÓRIA), https://pt.linkedin.com/pulse/ci%C3%AAncias-sociais-aplicadas-direito-prof-artur-cristiano-arantes-eio1f.
[33] Art. 3º São absolutamente incapazes ……… Art. 4º São incapazes, relativamente a certos atos, ou a maneira de os exercer……
[34] in Curso Avançado de Processo Civil. São Paulo, Revista dos Tribunais, 2002, v. III
[35] indivíduo relativamente incapaz em Jurisprudência – Jusbrasil, https://www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/busca?q=indiv%C3%ADduo+relativamente+incapaz.
[36] Inicial. Ação de internação compulsória. Liminar – JusDocs, https://jusdocs.com/peticoes/inicial-acao-de-internacao-compulsoria-liminar/OHTbD1eYTB.
[37] PROCESSO: APELAÇÃO CÍVEL – NÚMERO: 70000301093 – RELATOR: JOSÉ CARLOS TEIXEIRA GIORGIS. EMENTA: internação compulsória drogadito. cabimento. É cabível pedido de internação de alcoolista, que se revela violento, devidamente atestado por médico, quando a família seja impotente para fazê-lo. apelo provido. (apelação cível nº 70000301093, sétima Câmara Cível, tTJ-RS, julgado em 01/12/1999)
[38] in, Direito Constitucional Esquematizado. São Paulo, Saraiva, 2010, p.747 e ss.
[39] Internação compulsória para tratamento de alcoólatras e dependentes …, https://www.migalhas.com.br/depeso/43263/internacao-compulsoria-para-tratamento-de-alcoolatras-e-dependentes-quimicos.