Antropologia Jurídica Tema 08 Vitimização (leitura complementar)

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 Publicado por Carlos Morotti – Disponível em:

http://morotti.jusbrasil.com.br/artigos/210224182/vitimizacao-primaria-secundaria-e-terciaria

VITIMIZAÇÃO PRIMÁRIA, SECUNDÁRIA E TERCIÁRIA

INTRODUÇÃO

               É fato notório que a sociedade brasileira tem sido palco de uma tensa realidade no que tange assuntos relativos à criminalidade[1]. Diariamente pessoas são vítimas de delitos praticados por agentes de diferentes classes sociais, econômicas e culturais[2]. Este assunto, embora seja abordado atualmente com maior ênfase, devido à proporção que a criminalidade vem alcançando, pode ser remetido aos primórdios da civilização.

               A ESCOLA CLÁSSICA de meados do século XVIII traz em seu bojo o criminoso como a pessoa que, por livre arbítrio, cometeu uma conduta que ia à contramão das regras impostas pelo Estado, merecendo, portanto, a aplicação de uma sanção. Os seguidores desta Escola acreditam que o criminoso é totalmente responsável por suas ações devido ao fato de serem livres. Desta maneira, será moralmente responsabilizado por aquelas, justamente por possuírem o livre arbítrio.

               Com pensamentos contrários aos clássicos, os POSITIVISTAS acreditavam nos fatores biológicos como centro da criminalidade. Portanto, pregavam que suas atitudes não eram baseadas em sua vontade, mas sim, em suas anomalias físico-psíquicas, já que eram inatas à sua natureza. Sendo assim, o homem seria delinquente por não se adaptar socialmente, trazendo como consequência o crime. Em síntese, a visão da Escola Positiva era de que o homem era um produto da sociedade, não agindo espontaneamente, mas de acordo com razões atávicas[3] ou por aquilo que acreditava ser o correto, já que eram as únicas opções que lhe restava. Assim, a delinquência do homem era o foco do estudo dos Positivistas, e não o fato praticado em si, motivo pelo qual a pena tinha caráter preventivo.

               Em contrapartida, os CLÁSSICOS tinham por base o crime como uma infração, ou seja, a transgressão de um bem tutelado e a responsabilização penal transportada ao criminoso.

               Após analisar o contexto histórico da filosofia dessas Escolas, percebe-se que serviram como alicerce para o estudo de um apenso da Criminologia, e deste, os sujeitos que compõem o fato típico. Tais sujeitos são denominados pela doutrina como ativos e passivos, sendo os primeiros aqueles que cometem atos ilícitos e os segundos os que sofrem com a lesão ou perigo de lesão do bem jurídico tutelado. Os sujeitos passivos podem ser classificados em constante ou formal e eventual ou material. Este é a vítima titular do interesse plenamente protegido; aquele é o Estado que, sendo titular do mandamento proibitivo, é lesado pela conduta do sujeito ativo[4].

               Este artigo tem como propósito acolher o sujeito passivo eventual do fato típico ocorrido e o reflexo que tal fato trouxe para a vida da vítima. Baseando-se nos moldes da Declaração dos Princípios Básicos de Justiça para as Vítimas de Delitos e Abusos de Poder da ONU (Organização das Nações Unidas), vítimas são pessoas que sofreram danos, sejam eles físicos, mentais, emocionais ou financeiros, de maneira individual ou coletiva, como consequência de ação ou omissão que transgridem a legislação penal vigente no território nacional. Em suma, vítima é o indivíduo que sofre ou foi agredido de alguma forma por um agente que infringiu criminalmente a lei.

               É inquestionável o valor que a vítima possui no âmbito do Direito Penal. Porém, com o Estado sendo responsável pela aplicação da sanção penal logo após a “idade de ouro”, que era composta pela justiça privada, a importância da vítima no conflito social acabou sendo diminuída e somente com o redescobrimento dela, em meados de 1950 e logo após a Segunda Guerra Mundial, é que sua importância passa a ser vista sob um parâmetro mais humano por parte do Estado. Mesmo assim, não se pode dizer que a vítima tem o devido respaldo por aquele que deveria ter agido de maneira preventiva, ou seja, o Estado. O abandono por ela sofrido é um fato incontestável que abrange todos os ramos do Direito Penal e a atuação da justiça cria e reforça as desigualdades sociais, desencadeando um processo semelhante entre vítima e delinquente, passando aquela a ter a mesma privação de identidade deste.

               O Estado substitui a vítima sem pôr em pauta as expectativas que anseia, bem como suas necessidades perante o conflito. O sistema legal define com precisão os direitos do infrator, sem que referidas garantias em favor do presumido responsável tenha como lógico correlato uma preocupação semelhante pelos da vítima. Enquanto ela não recupera o que perdeu para o delinquente nem cumpre outro papel se não o de puramente testemunhal, pois as penas não levam em conta seus interesses, o criminoso cumpre a chamada pena de prisão recebendo do órgão estatal um auxílio-reclusão, que é benefício para os dependentes do segurado que for preso por qualquer motivo. Destarte, a vítima carrega consigo um sentimento de depreciação perante o sistema judiciário, já que espera soluções justas e rápidas para o caso concreto, estas muitas vezes frustradas devido ao próprio sistema falho no tratamento a elas, pois não se preocupam com a resocialização delas, mas sim com a infraestrutura penitenciária, novas prisões etc.

2. VITIMIZAÇÃO

               Também conhecida por processo vitimizatório, a vitimização pode ser compreendida como a ação ou o efeito de ser vítima de uma conduta praticada por um terceiro, por si mesmo, ou ainda por um fato natural[5]. Através de análises doutrinárias, é possível extrair conceitos semelhantes de vitimização, mas com diferentes esclarecimentos sobre o tema em questão.

               A jurista e professora Maria Helena Diniz define vitimização como “o ato de tornar alguém vítima; ação ou efeito de vitimar pessoa ou grupo[6]”.

               O pioneiro no ensino de Criminologia no sul do Brasil, João Farias Júnior, afirma que a vitimização é “o processo que leva uma pessoa a se vitimar ou a se tornar vítima”.

               Alvino Augusto Sá, ex-professor titular de psicologia criminal e jurídica da Universidade Presbiteriana Mackenzie, conceitua vitimização como “um processo complexo, pelo qual alguém se torna, ou é eleito a tornar-se, um objeto-alvo da violência por parte de outrem”.

               Conforme ditam Antonio García-Pablos de Molina e Luiz Flávio Gomes, o que ocorre na vitimização são as consequências negativas de um fato traumático. Para eles, a classificação na doutrina dos tipos de vitimização primária, secundária e terciária não seja do todo pacífico, pois há várias classificações ou formas de vitimização ocasional ou prolongada, direta ou indireta etc. No entendimento de outros autores[7].

               Existem autores que ditam em suas obras sobre o fator de vulnerabilidade. Este pode ser entendido pela suscetibilidade da pessoa em ser vítima. Como exemplo, pode-se citar o indivíduo com alto poder aquisitivo que chama a atenção de delinquentes para si justamente por levar uma “vida luxuosa”. Os fatores de vulnerabilidade da vítima adquirem uma relevância decisiva em função da análise do risco de vitimização e se comportam como moduladores entre o fato delitivo e dano psíquico ou socioeconômico.

               Dessa forma, nota-se que a vítima exibe um risco maior ou menor, sendo mais ou menos vulnerável, com relação a certos acontecimentos e a outros não. Tais fatores podem ser biológicos, referindo-se à idade, sexo etc.; biográficos, retratando o estresse acumulativo etc.; sociais, que são os recursos laborais e econômicos etc.; e certas dimensões da personalidade, como por exemplo, baixa inteligência, ansiedade, impulsividade etc.

VITIMIZAÇÃO PRIMÁRIA

               Da ocorrência de um fato típico, surge para a vítima o constrangimento físico, psicológico e, muitas vezes, material, dependendo da natureza da infração, da relação com o causador do perigo ou até da personalidade da vítima.

               Na definição de Sandro Carvalho Lobato de Carvalho e Joaquim Henrique de Carvalho Lobato, a vitimização primária pode ser entendida como aquela que acontece na prática do crime, através da conduta delituosa do agente que viola os direitos da vítima.

               O professor de Criminologia Lélio Braga Calhau afirma que a vitimização primária é o sofrimento que a vítima tem com o crime[8].

               Define Rodrigo Castello que a “vítima primária é o sujeito atingido diretamente pela prática do ato delituoso” e cita como exemplo a anunciação de um assalto por um infrator que, consequentemente, gera a subtração da carteira da vítima.

               As consequências imediatas da vitimização primária podem variar de acordo com o crime. Provavelmente os danos serão físicos quando se tratar de um crime violento regado de lesões ou maus tratos; serão matérias quando se tratar de crimes de furto ou roubo; enfim, são várias as consequências desta vitimização, que terão um impacto duradouro na vida do indivíduo. Enquanto os resultados físicos podem curar e a situação em torno do evento terem passado, a vítima possivelmente continuará com o receio da insegurança e da periculosidade. Ainda, dependendo de quem foi o infrator, a o sofredor do dano pode angariar problemas relacionados à confiança nas pessoas, incluindo membros da família ou amigos.

VITIMIZAÇÃO SECUNDÁRIA

               Logo após a prática do fato delitivo, inicia-se o drama da vítima. Além da dor física, psicológica, material e moral decorrente do crime, a vítima é posta diante de uma crucial questão: expor o fato ao judiciário ou deixá-lo de lado? O “deixá-lo de lado” caracteriza as cifras negras, que serão explicadas mais à frente.

               Também chamada de, sobre vitimização, a vitimização secundária pode ser entendida como aquela causada pelas instâncias formais que detêm o controle sobre o âmbito social (delegacias, Ministério Público etc.) abrangendo os custos pessoais derivados da intervenção do sistema legal que incrementam os padecimentos da vítima. É, portanto, o desrespeito às garantias e aos direitos fundamentais das vítimas de crime no curso do processo penal.

               Ao procurar amparo da polícia, muitas vezes a vítima não é tratada como deveria, isto é, como um sujeito de direito, mas sim como mero objeto de investigação, já que se importará unicamente com o suspeito do crime. Diante disto, verifica-se que as autoridades policiais tratam as vítimas todas de maneira semelhante como se Acessos


[1] A sociedade tem os criminosos que merece | Jusbrasil, https://www.jusbrasil.com.br/noticias/a-sociedade-tem-os-criminosos-que-merece/1885289.

[2] Diariamente, no cenário brasileiro, pessoas são vítimas de delitos …, https://brainly.com.br/tarefa/57319558.

[3] Significado de atávico. O que é atávico: Que se transmite, hereditário, tradição, herança ancestral

[4] A REPERCUSSÃO DA TEORIA DA IMPUTAÇÃO OBJETIVA NO DIREITO PENAL BRASILEIRO, https://1library.org/document/qmjl489q-repercussao-da-teoria-imputacao-objetiva-direito-penal-brasileiro.html.

[5] O que é vitimização Psicologia? – TodasAsRespostas.pt, https://todasasrespostas.pt/o-que-e-vitimizacao-psicologia.

[6] Influência da vitimização secundária na cifra obscura … – Jusbrasil, https://www.jusbrasil.com.br/artigos/influencia-da-vitimizacao-secundaria-na-cifra-obscura-da-criminalidade/2273002396.

[7] Vitimização Terciaria – Artigos e Notícias | Jusbrasil, https://www.jusbrasil.com.br/artigos-noticias/busca?q=vitimiza%C3%A7%C3%A3o+terciaria.

[8] Quais são os tipos de vitimização? – superplacas.com, https://superplacas.com/armazenar/texto/read/115545-quais-sao-os-tipos-de-vitimizacao.

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