UNIVERSIDADE CÂNDIDO MENDES
CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO LATU SENSU DIREITO PÚBLICO
ARTUR CRISTIANO ARANTES
Monografia apresentada à Universidade Cândido Mendes, como exigência parcial à obtenção do título de Especialista em Direito Público (ênfase Direito Constitucional), sob a orientação do Professor Gustavo Pamplona – 2011
Observação Importante – As normas indicadas no texto são referentes a época e algumas notas de rodapé foram acrescentadas agora
SUMÁRIO
Introdução
Comparações dos códigos de 1916 e de 2002
Como o Código Penal trata a Imputabilidade Penal do Menor
Estatuto da Criança e do Adolescente
A Imputabilidade do Menor
Propostas de Emendas à Constituição Federal (Pec)
A Realidade de outros Países e o Brasil
O Fenômeno Social ou a Discriminação Social
Conclusão
Bibliografia
RESUMO
Tem por objeto este texto a análise da possibilidade, ou não, da redução da maioridade penal, principalmente à luz da Constituição Federal, através de Emenda Constitucional. Trazendo argumentos à discussão do tema, iniciando pela exposição dos instrumentos normativos da legislação ordinária que regula o direito da criança e do adolescente e sua proteção legal e jurídica, desde o Código Civil, Código Penal e ECA – Estatuto “de Proteção” da Criança e do Adolescente, aprofundando-se na discussão Constitucional e na análise da redução da maioridade penal via Emenda Constitucional. Isto sem deixar de analisar, mesmo que brevemente, a questão social, e como em outros Países são tratadas estas questões. Em respeito a este assunto, que merece a maior profundidade, procuraremos contextualizar o cidadão brasileiro no início do novo século no que venham a afetar os seus aspectos comportamentais, sociais, econômicos e financeiros, já em um enfoque interdisciplinar, com as repercussões pertinentes às mais variadas áreas do ordenamento jurídico.
ABSTRACT
It analyzes the text to examine the possibility, or not, the reduction of criminal majority, particularly in light of the Constitution through a Constitutional Amendment. Bringing arguments in the discussion of the topic, beginning with the exposition of the normative acts of ordinary legislationregulating the the right of children and adolescents and its legal protection and legal , from the Civil Code ,Criminal Code and CAS – Statute ” Protection” the Child Adolescents, deepening the discussion and analysis of constitutional reduction of the penal via Constitutional Amendment. This no longer consider, even briefly, the social question, and as in other countries are dealt with these issues. In respect of this matter, which deserves greater depth, try to contextualize the Brazilian citizen in the new century that will affect their behavioral aspects, social, economic and financial, as in an interdisciplinary approach, with repercussions to the most relevant varied areas of law.
INTRODUÇÃO
Em nosso País as disposições da Constituição Federal de 1988, do Código Penal, do Código de Processo Penal e do Estatuto da Criança e do Adolescente, indicam a idade cronológica de dezoito anos completos para o início da chamada maioridade penal (também o Código Civil de 2002 – maioridade civil). O que se busca como resposta ao problema é a discussão e a reflexão sobre essas normatizações e ao final poder concluir pela possibilidade ou não dessa alteração (maioridade penal aos dezesseis anos), sem que venha a ferir dispositivos Constitucionais e mesmo de Direitos Humanos.
Em que pese ser verídico o conhecimento da existência de vasta produção científica no campo do trato com o menor nos limites do Direito brasileiro interno, bem como do Direito comparado estrangeiro, indubitavelmente também se pode afirmar como verídica a afirmação que pouco existe, em nossos dias atuais, trabalhos científicos que tratem de maneira precisa e relevante a correlação que certamente há entre a legislação vigente (leia-se, principalmente, as disposições Constitucionais), e a teoria jurídica dos Direitos Fundamentais.
Então, a escolha do tema da pesquisa ora projetada vem a lume em momento oportuno, pois traz à tona um estudo que preencherá uma lacuna no corpo do conhecimento jurídico, de relevante importância acadêmica e social.
Retratar-se-á uma realidade pouco abordada dos estudiosos, porém diversas pistas podem ser encontradas nas fontes de pesquisa escolhidas para que dêem respaldo ao estudo acadêmico ora projetado. Assim, utilizando-se da liberdade de pensamento na pesquisa científica pretendida, cujo embrião está neste projeto, buscar-se-á delinear os fundamentos nos limites da teoria jurídica, sob a perspectiva dos Direitos Fundamentais.
Assim é que, deve se observar que há pouca literatura que se aprofunde neste tema, ficando mais a cargo dos Sociólogos, Assistentes Sociais e Educadores contestar ou aplaudir a iniciativa parlamentar (PEC 20/99) no sentido de eventual redução da maioridade penal. Porém, os juristas. de modo geral, pouco, ou quase nunca, se reportam a Constituição Federal vigente quando apóiam ou negam seu apoio a idéia da redução. Há de se observar, ainda, num contexto mais amplo, o sistema penitenciário nacional, para responder ao inevitável questionamento se estaria apto a receber e reeducar esse novo contingente.
CÓDIGO CIVIL
As comparações dos códigos de 1916 e de 2002
em vista à capacidade civil das crianças e adolescentes
Antes de adentrar ao tema constitucional, entendo salutar colocarmos algumas considerações e conceitos. Civilmente a incapacidade, p.ex., será absoluta quando houver proibição total do exercício do direito, acarretando a nulidade do ato, logo os absolutamente incapazes têm direitos, porém não poderão exercê-los direta ou pessoalmente, devendo ser representados[1]; quanto a incapacidade relativa, diz respeito àqueles que podem praticar por si os atos da vida civil, desde que assistidos por quem o direito encarrega desse ofício, sob pena de anulabilidade do ato[2]. Assim, os maiores de dezesseis anos e menores de dezoito anos, só poderão praticar atos válidos se assistidos pelo seu representante[3].
Assim, a menoridade cessará quando o indivíduo completar dezoito anos, segundo nossa legislação civil. Ao atingir dezoito anos a pessoa tornar-se-á maior, adquirindo a capacidade, podendo, então, exercer pessoalmente os atos da vida civil.
Deixaremos de lado considerações acadêmicas sobre emancipação tácita ou legal, expressa ou voluntária, pródigos e indígenas, por não serem de crucial importância ao tema proposto.
A partir de 1º de janeiro de 2003 passou a vigorar o novo Código Civil com a maioridade civil aos dezoito anos, conforme previsão do artigo 5º do novo Diploma Legal:
Art. 5º A menoridade cessa aos 18 (dezoito) anos completos, quando a pessoa fica habilitada à prática de todos os atos da vida civil.
Parágrafo único. Cessará, para os menores, a incapacidade:
I – pela concessão dos pais, ou de um deles na falta do outro, mediante instrumento público, independentemente de homologação judicial, ou por sentença do juiz, ouvido o tutor, se o menor tiver 16 (dezesseis) anos completos[4];
II – pelo casamento;
III – pelo exercício de emprego público efetivo;
IV – pela colação de grau em curso de ensino superior;
V – pelo estabelecimento civil ou comercial, ou pela existência de relação de emprego, desde que, em função deles, o menor com 16 (dezesseis) anos completos tenha economia própria[5].
Diferentemente do Código Civil de 1916, que fixou a maioridade civil em vinte e um anos, coerente, portanto, com a realidade vivenciada naquele período, vez que sua elaboração fora destinada a uma nação predominantemente agrícola, com reduzida população urbana e sem os graves e enormes problemas sociais vividos na contemporaneidade. Essa nova realidade, traduzida pela fixação praticamente uniforme da maioridade (civil e penal), repercutiu favoravelmente nos meios jurídicos, porquanto não se justificam as diferenças de tratamento que se verificam em determinadas situações. Por exemplo, o jovem com dezenove anos carece de assistência dos pais para contratar uma operação de financiamento imobiliário[6], mas pode livremente eleger um representante através do processo eleitoral, e pode também ser responsabilizado criminalmente por ato ilícito praticado. Essas discrepâncias não deveriam existir com o advento do novo Diploma Legal, fazendo com que a interdisciplinariedade nos diversos âmbitos do direito ficassem harmoniosos.
CÓDIGO PENAL
Como o Código Penal trata a Imputabilidade Penal do Menor
Imputabilidade é o conjunto de condições pessoais que dão ao agente capacidade para lhe ser juridicamente imputada a prática de um fato punível[7]. Ou ainda: “É a roda mestra do mecanismo da culpabilidade, pois toda força animada ou inanimada, alheia ao bem ou ao mal, não poderá responder pelo evento que ‘causou’ por não ser causa consciente e livre”[8] Julio Fabbrini Mirabete esclarece o que se entende por imputabilidade:
“De acordo com a teoria da imputabilidade moral (livre-arbítrio), o homem é um ser inteligente e livre, podendo escolher entre o bem o mal, entre o certo e o errado, e por isso a ele se pode atribuir a responsabilidade pelos atos ilícitos que praticou. Essa atribuição é chamada imputação, de onde provém o termo imputabilidade, elemento (ou pressuposto) da culpabilidade. Imputabilidade é, assim, a aptidão para ser culpável”[9]
O antigo Código Penal[10], classificava a imputabilidade no título “Da Responsabilidade”. Assim, enquanto a imputabilidade é a capacidade de ser culpável, a culpabilidade é juízo de reprovação social. Os conceitos não se confundem embora possam estar interligados. O que está configurado no Título II do atual Código Penal vigente (arts. 26 a 28) é matéria de imputabilidade e não de responsabilidade, e a opção legislativa tratou de fixar as causas de exclusão, mas não seu conceito, deixando esta tarefa aos doutrinadores.
A menoridade no Código Penal é contextualizada pelo critério puramente biológico, isto é, a lei penal criou uma presunção absoluta de que o menor de dezoito anos, em fase de desenvolvimento mental incompleto, não tem condições de compreender o caráter ilícito do que faz ou capacidade de determinar-se de acordo com esse entendimento.
Assim, para se ter condições de compreender o que fez, o agente necessita de dois elementos: (1) higidez biopsíquica, ou seja, saúde mental mais a capacidade de apreciar a criminalidade do fato; (2) maturidade, ou seja, desenvolvimento físico-mental que lhe permita estabelecer relações sociais bem adaptadas, ou ainda, ter capacidade de realizar e estruturar as próprias idéias e possuir segurança emotiva, além de equilíbrio.
No Brasil, ao contrário de se permitir a verificação da maturidade, caso a caso, optou-se pelo critério cronológico, isto é, ter mais que 18 anos.
O critério para levar-se em conta exclusivamente a saúde mental do agente seriam os seguintes:
(1) Critério Biológico; leva-se em conta apenas e exclusivamente a saúde mental, isto é, se o agente tem ou não desenvolvimento mental incompleto ou retardado[11];
(2) Critério Psicológico; leva-se em conta unicamente a capacidade de o agente possuir na apreciação do caráter ilícito do fato ou de se comportar de acordo com esse entendimento[12];
(3) Critério Biopsicológico: neste, leva-se em conta os dois critérios anteriores unidos, ou seja, verifica-se se o agente é mentalmente sadio e se possui capacidade de entender a ilicitude do fato ou determinar-se de acordo com tal entendimento[13].
Logo, não é suficiente que haja algum tipo de enfermidade mental, mas que exista prova de que este transtorno afetou a capacidade de compreensão do ilícito, à época do fato. Na jurisprudência do STJ:
“Em sede de inimputabilidade (ou semi-imputabilidade), vigora, entre nós, o critério biopsicológico normativo[14]. Dessa maneira, não basta simplesmente que o agente padeça de alguma enfermidade mental, faz-se mister, ainda, que exista prova (perícia) de que este transtorno realmente afetou a capacidade de compreensão do caráter ilícito do fato (requisito intelectual) ou de determinação segundo esse conhecimento (requisito volitivo) à época do fato, isto é, no momento da ação criminosa”[15]
Portanto, tendo em vista que a norma penal adotou o critério biopsicológico (misto), é indispensável haver laudo médico para comprovar a doença mental ou o desenvolvimento incompleto (mental) ou retardado (parte biológica), situação essa, não possível de verificação direta pelo magistrado. Entrementes, existe ainda o lado psicológico, que, como vimos, é a capacidade de se conduzir de acordo com tal entendimento, compreendendo o caráter ilícito do fato, parte esta, possível de análise do juiz, conforme provas colhidas ao longo da instrução.
Recordemos que o magistrado não fica adstrito ou mesmo vinculado ao laudo pericial, valendo-se, inclusive, do art. 182 do Código de Processo Penal, embora seja imprescindível mencionar que a rejeição da avaliação técnica, no cenário da inimputabilidade, não pode conduzir à substituição do perito pelo juiz[16]. Assim, caso não creia na conclusão pericial, deve este determinar nova perícia, mas não se substituir pelo experto, pretendendo avaliar doença mental como se médico fosse. A parte cabível ao magistrado é a psicológica, e não a biológica. Neste sentido diz a jurisprudência pátria:
“Trata-se de um ‘meio legal’ de prova, isto é, um meio necessário ou indispensável, que não pode ser substituído nem mesmo pela inspeção pessoal do juiz, sobre a saúde psíquica do réu só poderá formar juízo em laudo pericial produzido por médicos especialistas” (STF, RHC 50.255/GB, 2ª T., rel. Antonio Neder, 15-09-1972, v.u. RTJ 63/70)
“Embora o juiz não fique adstrito ao laudo médico, não pode recusá-lo sem sólidas razões, pelo que, inaceitando-o, cabe submeter o paciente a novo exame médico, para que possa ficar definidas suas condições de dependência”(RHC 63.889-9, São Paulo, 2ª T., rel Aldir Passarinho, 15-08-1986. v.u., RT 613/398)
“Não pode o juiz, havendo prova pericial afirmativa da inimputabilidade do réu, desprezá-la, com base em considerações pessoais” (TAPR, Ap. 43.663-2, 4ª C., rel. Moacir Guimarães, 12-12-1991, RT 678/365)
“Nessa conjuntura, não pode prevalecer uma pronúncia que, pautando-se em conclusão pericial de inteira inimputabilidade, por engano técnico-legal (por não convicção), acabas concluindo, aliás sem algum comentário, precisamente contra esse dito acolhido laudo” (TJSP, Ap. 59.088-3, 4ª C., rel. Ary Belfort, 09-05-1988, v.u. RT 631/285)
Em que pese certa tendência mundial em favor da redução da maioridade penal para 16 anos, em face a evolução dos tempos, deixaremos para discutir este aspecto quando da abordagem da Constituição Federal.
No Direito Penal deve prevalecer a verdade real, factual. Note-se que a pessoa com mais de dezoito anos só pode ser considerada inimputável se não tiver capacidade de entender os reflexos de suas ações, de acordo com o art. 28, II, § 1º.do Código Penal vigente.
Há, porém, um vazio na lei no que se refere à pessoa precocemente amadurecida ser responsabilizada por seus atos[17]. Dessa forma, é com base neste entendimento que se propõe a diminuição para dezesseis anos de idade como limite para a imputabilidade, determinando, também, critérios de amadurecimento intelectual e emocional, a serem definidos em lei, para os menores de dezesseis anos.
ECA (Lei no. 8.069/90)
ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE
As Medidas Socioeducativas como forma de punição ao menor
Criado em decorrência de exigência prevista na Constituição Federal de 1.988[18] e em substituição ao Código de Menores, o ECA tem como objetivos, de um lado, garantir direitos fundamentais – vida, saúde, educação, recreação, trabalho, assistência social –, reconhecendo os direitos dos jovens, e de outro, estabelecer responsabilidade estatutária juvenil (enquanto os maiores de 18 anos têm responsabilidade penal, os adolescentes têm responsabilidade estatutária juvenil), sujeitando adolescentes a medidas socioeducativas.
O Estatuto da Criança e do Adolescente objetiva também, como medida preventiva da delinquência, assegurar os direitos fundamentais de saúde, educação, recreação, profissionalização e assistência social, através de ações que podem ser movidas contra os pais, responsáveis, inclusive contra o Estado.
As medidas socioeducativas vão desde advertência, obrigação de reparar o dano, prestação de serviços à comunidade, liberdade assistida, regime de semiliberdade até a privação de liberdade, exigindo-se flagrante ou ordem escrita e fundamentada do juiz. A internação, portanto, é a resposta concebida pelo ECA a uma maior periculosidade do adolescente, verificada, em cada caso concreto, pela grave ameaça ou violência a pessoa cometida por este. As medidas socioeducativas, mais especificamente no que se refere à internação, tem uma grande diferença em comparação à prisão propriamente dita aplicada ao maior de dezoito anos.
Assim e que, enquanto o maior de idade cumpre pena no sistema penitenciário, onde se misturam criminosos de graus de comprometimento e espécies diferentes, cujo objetivo único aparente é o de encarcerar, a internação aplicável ao menor é cumprida em estabelecimento próprio para adolescentes, dentro de um programa especial de educação escolar, profissionalização, com assistência pedagógica e psicoterápica, tudo em consonância com critérios previamente analisados dentro dos padrões internacionalmente definidos. A diferença, comparativamente ao adulto, está no fato de que maiores de 18 anos, pelos crimes, se submetem às penas criminais de multa, prestação de serviços à comunidade, interdição temporária de direitos, limitação de fim de semana e privação de liberdade, ao passo que os adolescentes se sujeitam às medidas socioeducativas. Tal punição, portanto, difere da dos adultos, porquanto de caráter predominantemente pedagógico, de menor duração e cumprida em estabelecimento próprio, de caráter educacional.
Além disso, o Estatuto privilegia as medidas restritivas de direitos, deixando a privação de liberdade para os casos graves, com a diferença de serem cumpridas em estabelecimento destinado a jovens e acompanhadas de medidas educativas e protetivas abrangendo a própria família. Daí por que a denominação – internação – muito mais branda e com caráter de atendimento voltado às pessoas que contam com o desenvolvimento de seu intelecto ainda em andamento. Entendida a infração como uma anomalia social, deve-se dar ao doente a dose exata do remédio para sua cura, para que o infrator possa, reabilitado, voltar a conviver em sociedade, não causando mais prejuízo a mesma. São seis as medidas socioeducativas adotadas pelo ECA:
(1) Advertência;
(2) Reparação do dano;
(3) Prestação de serviços à comunidade;
(4) Liberdade Assistida;
(5) Semiliberdade e (6) Internação.
Frise-se que a única medida que priva totalmente o adolescente de sua liberdade é a internação; as outras cinco primam pela resocialização do jovem infrator em meio aberto, sem prejuízo para o controle externo por parte do Judiciário. Com efeito, percebe-se que a intenção do legislador é a resocialização do delinquente juvenil, através de penas substitutivas ao invés de enclausuramento ou de penas corpóreas em regime totalmente fechado, como é o caso da internação.
A IMPUTABILIDADE DO MENOR
Atualmente a maioridade penal é atingida aos dezoito anos, o que significa dizer que o jovem, antes de completar essa idade, é considerado inimputável, sujeitando-se a uma penalidade mais branda. De acordo com o artigo 228 da Constituição Federal:
Art. 228. São penalmente inimputáveis os menores de dezoito anos, sujeitos às normas da legislação especial”.
Idêntica previsão legal encontra-se no artigo 27 do Código Penal. As normas de legislação especial mencionadas pela Carta Magna estão consubstanciadas na Lei 8.069/90, também conhecida como Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), cujo art. 104 fixa a idade de dezoito anos como limite para a inimputabilidade do menor. O Estatuto da Criança e do Adolescente representa uma resposta aos anseios da sociedade quanto a punição e responsabilização de menores infratores quanto aos seus atos delituosos.
A grande diferença do sistema penal vigente é que aquele ainda tem como norte intangente a busca da reeducação e ressocialização do criminoso menor.
PROPOSTAS DE EMENDAS À CONSTITUIÇÃO FEDERAL (PEC)
E AS CORRENTES A FAVOR E CONTRA
A REDUÇÃO DA MAIORIDADE PENAL
Atualmente encontra-se em tramitação no Congresso Nacional, diversos projetos de emenda à Constituição[19] propondo a redução da idade penal dos atuais dezoito anos para idades que variam de onze até dezesseis anos. Existe uma proposta que prevê a responsabilização penal de jovens a partir dos onze anos de idade. Segundo esse projeto, menores a partir dessa idade poderiam responder pelo delito praticado, desde que, após submetidos a perícia psicológica e psiquiátrica, sejam declarados desenvolvidos intelectual e emocionalmente, vale dizer, se equiparariam aos “maiores” do ponto de vista psíquico-emocional[20].
Diversas entidades e organizações vêm, cada vez mais, somando forças objetivando reduzir a idade penal. O argumento que mais encontra eco no meio jurídico e junto à população decorre da excessiva elevação do número de crimes praticados por menores na faixa etária dos 14 aos 18 anos de idade. No artigo intitulado “O menor delinquente”, o Professor Leon Frenda Szklarowski afirma que:
“….não se justifica que o menor de dezoito anos e maior de quatorze anos possa cometer os delitos mais hediondos e graves, nada lhe acontecendo senão a simples sujeição às normas da legislação especial. Vale dizer: punição zero”.
A questão da maioridade eleitoral é também um dos motivos a que se apega a corrente defensora da redução da idade penal. A propósito, o mesmo legislador constituinte que concluiu pela maturidade do jovem para escolher um Presidente da República, vale dizer, estar apto nessa perspectiva de assimilar a seriedade do mandato de que foi investido como eleitor, presentes a lucidez e o discernimento exigidos, deixa de considerar o mesmo jovem como responsável pela prática de condutas delituosas, enquadrando o menor de dezoito anos como inimputável, tal como expresso no artigo 228 da Magna Carta.
Assim é que, nas lições de Souza Nucci[21] este considera que erroneamente inseriu-se na Constituição Federal matéria pertinente à legislação ordinária, como se vê no artigo supre mencionado. Entende o nobre doutrinador que a única maneira de se reduzir a maioridade penal seria através de Emenda Constitucional, argumentando, nesse sentido, que o Constituinte Originário inseriu a responsabilidade penal no capítulo dedicado a família, a criança e ao adolescente além do idoso, e por esse motivo, entende que não compõe o contexto dos direitos e garantias individuais que estariam alocados no art. 5º da Constituição tão somente. Não concorda o autor com a tese de que há direitos e garantias humanas fundamentais ‘soltos’ em outros trechos a Constituição Federal, e por isso também cláusulas pétreas conforme art. 60, § 4º, inc. IV.
Continua, em sua argumentação, que há “direitos e garantias de conteúdo material” e “direitos e garantias de contudo formal” e que o ‘simples fato’ de ser introduzido no texto Constitucional como direito e garantia fundamental é suficiente para transformá-la, formalmente, como tal, embora não possa ser assim considerada materialmente. Máxima vênia, ousamos discordar.
Para justificar nossa discordância, devo em breve parênteses relembrar as questões de inconstitucionalidade. Senão vejamos:
Preliminarmente[22], por Supremacia da Constituição devemos entender que está (a Constituição) é a lei fundamental de organização do Estado ao estruturar e delimitar os seus poderes políticos. Trata das formas de Estado e de Governo, do sistema de Governo, do modo de aquisição, exercício e perda do Poder Político e dos principais postulados da Ordem Econômica e Social. Estabelece os limites da atuação do Estado ao assegurar respeito aos Direitos Individuais. O Estado, assim como seus agentes, não possui poderes ilimitados, portanto, devem exercê-los na medida em que lhes foram conferidos pelas Normas Jurídicas, respondendo por eventuais abusos a Direitos Individuais[23].
A Constituição é a Lei Maior do país, o vértice do Sistema Jurídico[24]. Contém todas as normas fundamentais do Estado, estando todos sujeitos ao seu império, inclusive os membros do governo, e confere autoridade aos governantes, que só podem exercê-la dentro dos limites por ela traçados[25]. A supremacia da Constituição decorre de sua própria origem, pois provém de um Poder Constituinte Originário, de natureza absoluta, bem como do seu caráter de rigidez, sobrepondo-se às normas constitucionais em relação a todas as demais normas jurídicas.
Segundo Vicente Paulo e Marcelo Alexandrino[26]:
“Nos países dotados de Constituições escritas do tipo rígidas, a alteração do texto constitucional exige um procedimento especial, estabelecido pelo próprio constituinte originário, mais difícil do que o exigido para a produção do direito ordinário (sub-constitucional ou infraconstitucional).
A primeira consequência (sobremaneira relevante) dessa exigência de formalidades especiais para a reforma da Carta Política é que nos ordenamentos de Constituição rígida vigora o Princípio da Supremacia Formal da Constituição. Vale dizer, nesses sistemas jurídicos, que adotam Constituição do tipo rígida, as normas elaboradas pelo Poder Constituinte Originário são colocadas acima de todas as outras manifestações de Direito[27].
Para que se compreenda com clareza essa decorrência da rigidez constitucional é suficiente notar que, nos Sistemas Jurídicos de Constituição flexível, a inexistência de diferenciação entre os procedimentos de elaboração das leis ordinárias e de modificação das normas constitucionais faz com que toda produção normativa jurídica tenha o mesmo status formal, ou seja, as leis novas derrogam ou revogam todas as normas anteriores com elas incompatíveis. mesmo que estas sejam normas constitucionais.
Assim, em um sistema de constituição flexível – o da Inglaterra, por exemplo – descabe cogitar de impugnação de inconstitucionalidade, sendo o Parlamento Poder Legislativo e Constituinte ao mesmo tempo. As decisões do parlamento não podem ser de modo algum atacadas perante os Tribunais; somente os atos praticados em decorrência de ato do Parlamento é que podem ser examinados pelo Judiciário, a fim de se verificar se não excederam os poderes conferidos[28].
Esse ponto constitui a segunda conseqüência importante da rigidez constitucional (e mais diretamente do Princípio da Supremacia da Constituição): somente nos ordenamentos de Constituição escrita e rígida é possível a realização do controle de constitucionalidade das leis da forma como conhecemos e estudamos. Unicamente nesses Sistemas Jurídicos podemos falar propriamente em normas infraconstitucionais que, como tais, devem respeitar a Constituição.
Significa dizer que para uma norma ter validade dentro desses sistemas há que ser produzida em concordância com os ditames da Constituição, que representa seu fundamento de validade. A Constituição situa-se no vértice do Sistema Jurídico do Estado, de modo que as normas de grau inferior somente valerão se forem com ela compatíveis[29].” (grifamos)
Assim é que, o Legislador Constituinte Originário criou mecanismos por meio dos quais se controlam os atos normativos, verificando sua adequação aos preceitos previstos na Lei Maior – A CONSTITUIÇÃO[30]. Como requisitos fundamentais e essenciais para o controle, relembramos a existência de uma constituição rígida e a atribuição de competência a um órgão para resolver os problemas de constitucionalidade, órgão este que variara de acordo com o sistema de controle adotado[31].
A idéia de controle, então, emanada da rigidez, pressupõe a noção de um escalonamento normativo, ocupando a Constituição o grau máximo na aludida relação hierárquica, caracterizando-se como norma de validade para os demais atos normativos do sistema. Trata-se, também como vimos, do Princípio da Supremacia da Constituição, que, nos dizeres do Professor José Afonso da Silva, reputado por Pinto Ferreira como:
“….. pedra angular, em que assenta o edifício do moderno direito político”, “significa que a constituição se coloca no vértice do sistema jurídico do País, a que confere validade, e que todos os poderes estatais são legítimos na medida em que ela os reconheça e na proporção por ela distribuídos. É, enfim, a lei suprema do Estado, pois é nela que se encontram a própria estruturação deste e a organização de seus órgãos; e nela que se acham as normas fundamentais de Estado, e só nisso se notara sua superioridade em relação as demais normas jurídicas”.
Desse Princípio, continua o mestre:
“….. resulta o da compatibilidade vertical das normas da ordenação jurídica de um País, no sentido de que as normas de grau inferior somente valerão se forem compatíveis com as normas de grau superior, que é a constituição. As que não forem compatíveis com ela são invalidas, pois a incompatibilidade vertical resolve-se em favor das normas de grau mais elevado, que funcionam como fundamento de validade das inferiores”[32].
Assim, a CONSTITUIÇÃO ESTÁ NO ÁPICE DA PIRÂMIDE, orientando e “iluminando” os demais atos infraconstitucionais[33]. Do exposto, decorre o chamado Princípio da Supremacia da Constituição. Por este princípio, entenda-se que todas as normas e situações jurídicas materializadas no âmbito do Estado devem estar em conformidade com o que Nela (Constituição) estiver estabelecido, sob pena de se mostrarem inconstitucionais. Existem, portanto, duas espécies de inconstitucionalidades; por ação e por omissão
A Inconstitucionalidade por Ação é aquela que resulta de atos legislativos ou administrativos praticados em desconformidade com o estabelecido pela Constituição. Por exemplo: o Legislativo aprova uma lei tributária e lhe atribui efeitos retroativos, quando a Constituição diz claramente que a lei tributária não poderá ter efeitos retroativos.
Do Princípio da Supremacia decorre o da compatibilidade vertical: as normas que lhe sejam hierarquicamente inferiores devem estar em perfeita sintonia com o texto Constitucional, sob pena de não serem válidas. Fala-se, então, em inconstitucionalidade por ação (positiva ou por atuação), a ensejar a incompatibilidade vertical dos atos inferiores (leis ou atos do Poder Público) com a Constituição, em sentido diverso, em inconstitucionalidade por omissão decorrente da inércia legislativa na regulamentação de Normas Constitucionais de eficácia limitada.
Para Canotilho, enquanto a inconstitucionalidade por ação pressupõe a existência de normas inconstitucionais, a inconstitucionalidade por omissão pressupõe a “violação da lei constitucional pelo silêncio legislativo” (violação por omissão)”[34].
Particularizando, a inconstitucionalidade por ação pode-se dar por duas formas: (a) do ponto de vista formale (b) do ponto de vista material; O vício formal decorre de afronta ao devido processo legislativo de formação do ato normativo, por sua vez, o vício material, é um vício de matéria, de conteúdo, a idéia que passa é de vicio de substância, ocorre quando o conteúdo das leis ou dos atos contrarie preceito constitucional. Assim, o vício material (de conteúdo, substancial ou doutrinário) diz respeito a “matéria”, ao conteúdo do ato normativo. Assim, aquele ato normativo que afrontar qualquer preceito ou princípio da Lei Maior deverá ser declarado inconstitucional, por possuir um vicio material.
Não nos interessa saber aqui o procedimento de elaboração da espécie normativa, mas, de fato, o seu conteúdo. Por exemplo, uma lei discriminatória que afronta o Princípio da Igualdade. Nas palavras de Barroso[35]:
“a inconstitucionalidade material expressa uma incompatibilidade de conteúdo, substantiva entre a lei ou ato normativo e a Constituição[36].
Pode traduzir-se no confronto com uma regra constitucional, por exemplo, a fixação da remuneração de uma categoria de servidores públicos acima do limite constitucional (art. 37, XI); ou com um princípio constitucional, como no caso de lei que restrinja ilegitimamente a participação de candidatos em concurso publico, em razão do sexo ou idade (arts. 5.°, caput, e 3.°, IV), em desarmonia com o mandamento da isonomia. O controle material de constitucionalidade pode ter como parâmetro todas as categorias de normas constitucionais: de organização, definidoras de direitos e programáticas”.
Art. 60, § 4º – Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir[37]:
Aqui, a limitação ao poder de emenda, sendo esta a limitação material, também conhecida como cláusulas pétreas, núcleo pétreo ou núcleo imodificável. É uma limitação relativa, pois restrita a determinadas matérias, e, mesmo dentro delas, segundo Eros Grau, às iniciativas que levem à abolição de tais princípios, pelo que uma emenda constitucional que toque em alguma dessas matérias não para aboli-la, mas para dar-lhe novo tratamento, não será, a princípio, inconstitucional. Novo tratamento não significa modificar seu valor, no caso do art. 228 de 18 para 16 anos, assim entendemos.
Com base nestas assertivas, podemos concluir que as Emendas Constitucionais podem ser objeto de controle, embora introduzam no ordenamento normas de caráter constitucional. O que temos através do processo de emendas é a manifestação do Poder Constituinte Derivado Reformador e, ao estudarmos a teoria do Poder Constituinte, vemos que a derivação se dá em relação ao Poder Constituinte Originário. Este último é ilimitado e autônomo. O Poder Constituinte Derivado Reformador, por seu turno, deve observar os limites impostos e estabelecidos pelo Poder Constituinte Originário, como decorre da observância as regras do art. 60 da CF/88. Assim, desobedecendo aos referidos limites, inevitável declarar inconstitucional a emenda que introduziu uma alteração no texto Constitucional. Ao se colocar e aprovar na Assembléia Nacional Constituinte o artigo 60, eivou-o de formalidade e de materialidade.
Portanto, fazendo contraponto às opiniões pró-redução da maioridade penal, existe uma corrente de juristas, legisladores e adeptos de associações de defesa dos direitos humanos que perfilam pela manutenção da idade para a imputabilidade aos atuais dezoito anos. Inúmeros são os argumentos de que se utilizam os defensores desse posicionamento, constituídos, como na opinião antagônica, por juristas de renome e portadores de irrestrito conhecimento da área criminal voltada à juventude. O Estatuto da Criança e do Adolescente, ao contrário da pecha de condescendente e ineficaz, é citado como um instituto que foi criado em consonância com o espírito dos organismos internacionais voltados ao problema da juventude em conflito com a lei. A própria Constituição Federal de 1988, que trouxe em seu bojo a preocupação com a criança e o adolescente, mostra a necessidade de o Estado tutelar esse segmento da população[38].
Pensar em redução da Maioridade Penal como forma de diminuição a criminalidade pode não ser o melhor caminho, pensar que esta redução possa se dar via Emenda Constitucional entendemos impossível e inconstitucional.
As vozes que defendem posições antagônicas são representativas das mais variadas classes atuantes na área da infância e juventude, com juristas de respeito e que contam com apoio de grande parcela da população. Diante do agravamento do problema no Brasil, notadamente nos últimos tempos, em que a participação de menores de idade mostra-se crescente, é grande e respeitável o número de defensores da redução da maioridade penal.
Entendemos como cláusula pétrea em face ao próprio artigo 6º que nos remete ao Título VIII (Da Ordem Social) e ao seu Capítulo VII, assim entendemos ser o artigo 228 uma garantia individual e, portanto, não passível de Emenda conforme dispõe o § 4º do artigo 60 da CF/88.
A REALIDADE DE OUTROS PAÍSES E O BRASIL
O FENOMENO SOCIAL OU A DISCRIMINAÇÃO SOCIAL
A maioria dos países adota legislações específicas para evitar a impunidade. Não existe uniformidade de procedimentos, dependendo do grau de tolerância de cada nação para fixar parâmetros para a determinação da idade penal. Na França, por exemplo, a maioridade penal é de 18 anos, mas jovens a partir dos treze e até os dezoito anos podem ser penalizados. Na Inglaterra, a maioridade penal é de vinte e um anos para crimes comuns. Tratando-se de crimes hediondos o infrator é penalizado a partir dos 10 anos. Já nos Estados Unidos, verifica-se divergências de legislações nos 50 estados, sendo que em 18 deles os jovens que cometerem crime grave podem ser responsabilizados a partir dos 14 anos, equiparando-se, nessa condição, àquele que conta com 18 anos, considerada a maioridade. Em Portugal o jovem pode ser condenado a partir dos 16 anos, o mesmo ocorrendo na Argentina, Espanha, Bélgica e Israel. Na Alemanha e Haiti, a partir dos 14 anos.
A maioridade penal varia imensamente entre os diferentes Países, conforme a cultura jurídica e social destes, indicando uma falta de consenso mundial sobre o assunto. A grande diferença da maioridade penal entre os diversos países não necessariamente indica um sinal de “avanço” ou “barbárie” deste ou daquele País, mas mostra o resultado de diferentes visões de mundo concepções e teorias jurídicas entre as nações. A Resolução nº 40/33 das Nações Unidas de 29/11/1985, estabeleceu as “Regras Mínimas das Nações Unidas para a Administração da Justiça Juvenil”, conhecidas como as “Regras de Pequim”, e recomenda que a idade da responsabilidade criminal seja baseada na maturidade emocionam, mental e intelectual do jovem, e que esta idade não seja fixada “baixa demais”. O quanto seria este “baixo demais”, entretanto, a Resolução deixa em aberto, conforme a interpretação de cada um[39].
O quadro seguinte ilustra o limite para a imputabilidade penal, em crimes mais graves em alguns países do mundo. Todas as informações abaixo têm como fonte a Unicef, exceto quando mencionada explicitamente outra fonte
O FENÔMENO SOCIAL OU A DISCRIMINAÇÃO SOCIAL
Na vigência do Código Civil atual o mundo vem passando por inúmeras transformações de ordem social, econômica, comportamental, enfim, verifica-se uma revolução de costumes, procedimentos e regras de vida em sociedade, podendo-se, para resumir, afirmar que ocorre uma metamorfose em todos os sentidos na inauguração do século XXI. Nesse contexto, o jovem de agora com dezoito anos está infinitamente à frente daquele cidadão de vinte e um anos que viveu sob os auspícios do diploma de 1.916[40]. São inúmeros os avanços experimentados no interregno dessas nove décadas, que, somados à tendência mundial dos demais países na fixação de dezoito anos para a maioridade civil e à constatação do pleno amadurecimento do cidadão com essa idade, afastam qualquer possibilidade de descompasso na refixação do novo piso etário. A expansão dos meios de comunicação, neste caso globalização com internet a melhoria nos padrões de cultura e a participação dos jovens no seio da sociedade faz com que sejam cada vez mais cedo habilitados ao amadurecimento e à assunção de responsabilidades, mas apenas isso não justifica a diminuição dessa menoridade, além do já exposto da impossibilidade constitucional, o que por fim, observamos, a constitucionalização do tema trouxe uma especial proteção ao jovem quanto a esse risco.
CONCLUSÃO
A questão que se aborda é até onde a maioridade civil aos dezoito anos irá influenciar na vida das pessoas. A resposta a essas questões podem ser sintetizadas em três linhas de raciocínio. A primeira refere-se ao ponto de vista puramente dogmático, através do qual a alteração na idade plena, conquanto substancial, não trará significativas conseqüências. Como enfatizado no decorrer deste trabalho, o jovem de hoje com dezoito anos está em absolutas condições de igualdade, aí considerados os aspectos culturais, sociais e comportamentais. Prova disso são as inúmeras atividades que, gradativamente, por vias constitucionais ou mesmo através de leis esparsas, foram incorporadas ao dia a dia das pessoas com dezoito anos: permissão para dirigir automóveis, para votar, trabalhar etc. Assim, dentro dessa assertiva, a alteração teve o objetivo tão-somente de realocar o jovem ao seu “habitat” jurídico adequado.
A segunda linha de raciocínio está relacionada com os efeitos patrimoniais que advirão com a mudança da maioridade civil. Com certeza trará reflexos pecuniários desfavoráveis para os filhos dependentes financeiramente de pais que, a partir de janeiro de 2003, deixarão mais cedo de pagar a eles as pensões alimentícias. Vale dizer, serão prejudicados os filhos principalmente de classe média que, por força de decisões judiciais, vinham recebendo as verbas respectivas de seus pais, os quais se desonerarão mais cedo daquela responsabilidade. É cediço que nessa faixa etária – entre dezoito e vinte e um anos – normalmente os jovens estão cursando o terceiro grau e por isso não dispõem ainda de rendimentos suficientes para se manter. É claro que estarão à margem dessa restrição os filhos de pais que, pela responsabilidade moral ou mesmo por afeição, mantenham a assistência até quando julgarem conveniente, independentemente de haver expirado sua responsabilidade legal, assim é que o Judiciário vem considerando que enquanto estudando – dependente.
Idêntica situação ocorrerá com os filhos de segurados da previdência social, cuja data limite para a percepção da pensão passará para dezoito anos, ensejando assim uma tormentosa e constrangedora redução em seus benefícios três anos mais cedo do que ocorreria com as normas do Código anterior. Nesta nova realidade perdem os jovens que, prematuramente, deverão se atirar ao já escasso mercado de trabalho ainda sem o devido preparo acadêmico, e ganhará a União, que economizará recursos financeiros do Tesouro Nacional na questão previdenciária.
A última implicação que se observa em função da redução da maioridade, com certeza a mais polêmica, é a que se reflete na tentativa do rebaixamento da imputabilidade penal para os dezesseis anos, ou até menos que isso, conforme discutido quando tratamos das propostas de emendas à Constituição. Como se sabe, a idade para o jovem ser responsabilizado criminalmente hoje é dezoito anos. Abaixo desse patamar existe a proteção do Estatuto da Criança e do Adolescente, norma que foi inspirada nos padrões internacionais de atendimento ao menor infrator, que não funciona melhor devido mais à falta de sua correta e completa implementação, e menos por sua política essencialmente voltada aos objetivos educacionais. A luta que se trava, pois, é no sentido de alterar o artigo 228 da Constituição Federal, o artigo 27 do Código Penal e o artigo 104 da Lei 8069/90 (ECA), que estabelecem a idade de dezoito anos para a imputabilidade penal.
Conforme enfatizado no decorrer deste trabalho, duas correntes defendem posições sólidas, bem argumentadas e patrocinadas por juristas renomados no cenário penal brasileiro. Em síntese, de um lado alguns defendem a redução alegando que o jovem com dezesseis anos já se encontra maduro em todos os sentidos, de modo a entender claramente o caráter ilícito de sua conduta e a determinar-se de acordo com esse entendimento. Do lado oposto, outros entendem que o amadurecimento ainda não é pleno e que a redução da idade penal traria um retrocesso, pois o sistema penitenciário aplicado ao maior de dezoito anos é ainda arcaico e rudimentar. A pergunta que se faz, portanto, é se o menor hoje com dezesseis anos tem o senso de discernimento mínimo para saber com segurança o que é uma ilicitude, e o mais importante, reconhecendo o caráter errado de sua atuação (matar, roubar, estuprar etc.), saber que tais atos lhe sujeitará a ir para a cadeia. Não há dúvida, diante dos avanços verificados na sociedade e do progresso intelectual vivido pelo jovem com dezesseis anos, que a resposta é afirmativa, principalmente a se considerar que, nessa idade, conquanto facultativamente, é permitido exercer o direito soberano do voto. No entanto, existe um grande abismo entre a aptidão à maioridade plena, ou seja, estar apto a assumir a responsabilidade por um crime praticado, e a estrutura de que dispõe o sistema penitenciário brasileiro para albergar criminosos, hoje corrompido, cruel, anti-educativo e, o que é mais grave, dissociado do princípio basilar do Estado Democrático de Direito.
Portanto, para finalizar, a idade penal não deve ser reduzida enquanto existir a atual estrutura, pois como já ocorre com os criminosos, a cadeia de hoje, longe de cumprir com sua função ressocializadora, funciona como uma espécie de escola para formação de delinquentes. Inserir nessa estrutura menores de dezoito anos seria um desserviço à sociedade e um retrocesso às funções do Estado que em última análise tem o dever constitucional de prover o bem-estar e a dignidade da pessoa humana, princípios, aliás, excessivamente enfatizados na Constituição Federal do país. Por fim, torna-se claro que a constitucionalização da maioridade penal aos dezoito anos elevou-a a categoria de garantia individual e, portanto, sob a égide do art. 60, § 4º do mesmo Diploma. Assim, entendemos que só poderia ser revista essa idade através de instalação de nova Assembleias Nacional Constituinte e por consequência, pela promulgação de nova Constituição Federal.
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[1] Os menores de dezesseis anos são tidos como absolutamente incapazes para exercer atos na vida civil, porque devido a idade não atingiram o discernimento para distinguir o que podem ou não fazer, o que lhes é conveniente ou prejudicial. Por isso, para a validade de seus atos, será preciso que sejam representados por seu pai, mãe ou tutor (CC, arts. 1.634, V, 1.690 e 1.747, I) – grifamos
[2] Depende de iniciativa do lesado
[3] A aplicação do ECA na ressocialização do menor infrator, https://jus.com.br/artigos/57530/a-aplicacao-do-eca-na-ressocializacao-do-menor-infrator.
[4] Emancipação do Menor de Idade: Requisitos e Efeitos Jurídicos, https://www.jusbrasil.com.br/artigos/emancipacao-do-menor-de-idade-requisitos-e-efeitos-juridicos/798102063.
[5] JUSTIÇA: REQUISITOS NECESSÁRIOS PARA EXERCER EMPRESA, SER … – Blogger, https://terajustica.blogspot.com/2014/08/requisitos-necessarios-para-exercer.html.
[6] Existem algumas regras e restrições dos financiamentos imobiliários que são impostas pelo Banco Central do Brasil. Os bancos impõem limite de idade a quem solicita um financiamento: a mínima é de 21 anos, e a máxima, somando-se a idade do pretendente ao número de anos de financiamento, não pode ultrapassar 75 anos. Disponível em:
http://moradabela.com.br/dica_finan_imo.htm e http://emprestimo.net/financiamento-imobiliario/
acesso em 30-11-2010
[7] BRUNO, Aníbal. Direito Penal – Parte Geral. p. 39
[8] AMERICANO, Odin. Da culpabilidade normativa. p. 330
[9] MIRABETE, J. F. Manual de Direito Penal. 15ª ed. São Paulo: Editora Atlas, 2002.
[10] Anterior a reforma de 1984
[11] A adoção restrita desse critério faria com que o juiz ficasse absolutamente dependente do laudo pericial.
[12] Acolhido de maneira exclusiva este critério, tornar-se-ia o juiz figura de destaque, podendo este apreciar a imputabilidade com total arbítrio.
[13] É o princípio adotado pelo Código Penal (vide art. 26)
[14] HABEAS CORPUS Nº 33.401 – RJ (2004/0011560-7) RELATOR:MINISTRO FELIX …, https://www.stj.jus.br/websecstj/cgi/revista/REJ.cgi/ATC?seq=1456498&tipo=5&nreg=200400115607&dt=20041103&formato=PDF&salvar=false.
[15] HC 33.401-RJ, 5ªT., rel. Félix Fischer, 28.09.2004, v.u., DJ 03-11-2004, p. 212
[16] De se observar que nosso Estatuto Processual Penal adota o sistema liberatório na apreciação dos laudos periciais, deixando ao prudente arbítrio do juiz aceitar ou rejeitar laudos – EI 153.332-3/0. 4ª C., rel. Cerqueira Leite, 02-11-1995, m.v.
[17] Propostas de Redução da Maioridade Penal: a Juventude … – Brasil, https://www.scielo.br/j/pcp/a/SSSz78WpDXhnxxL7pH73xDx/.
[18] Art. 227. É dever da família, da sociedade e do estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, crueldade e opressão.
[19] PEC-171/1993 e Apensados PEC 150/1999, PEC 167/1999, PEC 169/1999, PEC 633/1999, PEC 260/2000. PEC 321/2001, PEC 37/1995, PEC 91/1995, PEC 301/1996, PEC 531/1997, PEC 68/1999, PEC 133/1999, PEC 377/2001, PEC 582/2002, PEC 64/2003, PEC 179/2003, PEC 272/2004, PEC 302/2004, PEC 345/2004, PEC 489/2005, PEC 48/2007, PEC 73/2007, PEC 85/2007, PEC 87/2007, PEC 125/2007, PEC 399/2009. disponível em : http://www.camara.gov.br/sileg/Prop_Detalhe.asp?id=14493 – acesso 30-11-2010
[20] A maioridade: uma visão interdisciplinar – Jus.com.br | Jus Navigandi, https://jus.com.br/artigos/3491/a-maioridade-uma-visao-interdisciplinar/2.
[21] NUCCI, Guilherme de Souza. Código Penal Comentado. 6ª ed. Ed. RT, 2006, p. 258 e ss.
[22] Parte do conteúdo desse item foi retirado, com algumas adaptações, de Pedro Lenza, Coisa julgada “erga omnes”: processo coletivo, controle de constitucionalidade e súmula vinculante (no prelo, originalmente defendido como tese de doutorado – USP). Apud, Pedro Lenza, Direito…. p. 117
[23] TUTELA CONSTITUCIONAL AO BEM JURÍDICO AMBIENTAL E A PEC 341/09, https://www.webartigos.com/artigos/tutela-constitucional-ao-bem-juridico-ambiental-e-a-pec-341-09/43136/.
[24] Constituição: principais aspectos da Constituição Federal de 1988, https://blog.lfg.com.br/legislacao/constituicao/.
[25] (DOC) DIREITO CONSTITUCIONAL I – Academia.edu, https://www.academia.edu/5274056/DIREITO_CONSTITUCIONAL_I.
[26] PAULO, Vicente; ALEXANDRINO, Marcelo. Controle de Constitucionalidade. Malheiros: Rio de Janeiro – 2007 – pp 1-2
[27] Q583019 – Questões de Concursos Públicos | Qconcursos.com, https://www.qconcursos.com/questoes-de-concursos/questoes/0e5b42e8-97.
[28] Direito Constitucional – Telesapiens, https://auxiliar2.telesapiens.com.br/DRM/DIREITO_CONSTITUCIONAL/3/trilha.php.
[29] Considerações, conceitos e finalidades do controle de …, https://www.direitonet.com.br/artigos/exibir/7410/Consideracoes-conceitos-e-finalidades-do-controle-de-constitucionalidade.
[30] RESUMÃO SOBRE CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE PREVENTIVO E REPRESSIVO, https://www.passeidireto.com/arquivo/6296464/resumao-sobre-controle-de-constitucionalidade-preventivo-e-repressivo.
[31] Conforme abemos, uma Constituição rígida é aquela que possui um processo de alteração mais dificultoso, mais árduo, mais solene do que o processo legislativo de alteração das normas não constitucionais. A CF Brasileira é rígida, diante das regras procedimentais solenes de alteração previstas em seu art. 60.
A adoção da técnica das “leis ainda constitucionais” pelo…, https://jus.com.br/artigos/54032/a-adocao-da-tecnica-das-leis-ainda-constitucionais-pelo-stf-no-controle-de-constitucionalidade.
[32] SILVA, José Afonso da. In Curso de Direito Constitucional Positivo, pp 47-49 op. cit.
[33] Alertamos que há uma tendência de se ampliar o conteúdo do parâmetro de constitucionalidade de acordo com aquilo que a doutrina vem chamando de bloco de constitucionalidade
[34] J.J. Canotilho, Direito Constitucional…., p.982
[35] BARROSO, Luis Roberto, O controle de constitucionalidade …., p. 29
[36] A doutrina, ao tratar das espécies de inconstitucionalidades…, https://www.qconcursos.com/questoes-de-concursos/questoes/cb21baad-8f.
[37] Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendent…, https://www.qconcursos.com/questoes-de-concursos/questoes/9a12e125-88.
[38] Essa preocupação com a Infância e Juventude na história contemporânea é ressaltada já na Declaração Universal dos Direitos Humanos (ONU 1948), pela Declaração dos Direitos da Criança – ONU – 20 de novembro de 1959, e mais recentemente pela Convenção das Nações Unidas Sobre os Direitos da Criança, aprovada pela Assembleia Geral da ONU em 20 de novembro 1989. Há ainda as Regras mínimas para administração da Justiça da Infância e Juventude – Regras de Beijing – de 24 de Maio de 1989. Disponível em:
http://www.mp.rr.gov.br/Intranet/pageDirectory/artigos/01ArtigoDrMarcioRosa.pdf
[39] DIVERGÊNCIAS NA POSSIBILIDADE DA REDUÇÃO DA MAIORIDADE PENAL, https://www.eduvaleavare.com.br/wp-content/uploads/2015/10/divergencias.pdf.
[40] Metodologia cientifica diego – REFERENCIAL TEÓRICO … – Studocu, https://www.studocu.com/pt-br/document/faculdade-atenas/direito-penal/metodologia-cientifica-diego/63959009.